Entrevista a Manuel Gameiro

“A partir do momento em que a carga viral dos aerossóis passa a estar acima do limiar de infecciosidade, os aerossóis tornam-se o modo dominante [de transmissão]”

Entrevista por Fernando Barbosa, Torres Farinha, Pascoal Faísca e Cátia Vilaça

Manuel Gameiro já andava há algum tempo a tentar alertar as autoridades de saúde para o risco de transmissão de SARS-CoV-2 através de aerossóis, um método já verificado aquando do surto de gripe das aves. Começou a ser ouvido a partir do momento em que a sua voz se juntou à de outros 238 cientistas, em carta aberta enviada à Organização Mundial de Saúde, que prometeria maior atenção ao problema. À Tecnohospital, explica os riscos associados a este modo de transmissão, reforça a importância das máscaras perante um risco que a distância de segurança não acautela e aponta caminhos à investigação científica.

Fale-nos um pouco sobre o seu percurso pessoal e profissional.

A minha família é de Albergaria dos Doze, na zona de Pombal, onde fiz o atual nono ano. A partir daí estudei sempre em Coimbra. Vim para o liceu José Falcão e depois concluí também em Coimbra a licenciatura em Engenharia Mecânica. Na altura não havia o mestrado com um curso formal, portanto fiz as provas de aptidão científica e pedagógica, depois fiz o doutoramento, as provas de agregação e fiz a carreira académica no Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade de Coimbra. Fiz um percurso de 15 anos em órgãos diretivos da Ordem dos Engenheiros, que começou na região centro. Também cumpri um mandato como presidente da direção da Sociedade Portuguesa de Educação em Engenharia e sou membro conselheiro da Ordem dos Engenheiros. Sou, desde há sete anos, vice-presidente da REHVA, a Federação das Associações Europeias de Engenharia de Aquecimento, Ventilação e Ar Condicionado.

Em que ano se formou?

1984.

E depois passou logo para a carreira académica?

Fiz um trabalho final de curso orientado pelo Professor Xavier Viegas sobre aerodinâmica de autocarros. Quando acabei o curso a Salvador Caetano mostrou interesse pelo tema e eu comecei por trabalhar como bolseiro num contrato de investigação na Universidade de Coimbra financiado pela empresa, durante cerca de um ano. No final desse ano houve um concurso para assistente estagiário e entrei. A partir daí fiz o mestrado e o doutoramento já integrado na carreira docente universitária.

Portanto, é professor desde 1993.

Sim, concluí o doutoramento em 1993, apesar de antes disso já dar aulas como assistente estagiário e assistente. Na altura havia uma questão curiosa relativamente à forma de fazer teses de mestrado e de doutoramento. Apesar de eu, desde o princípio, ter trabalhado em temas muito relacionados com a indústria, o Professor Xavier Viegas convenceu-me a fazer, para a tese de mestrado, um trabalho mais teórico, que seria mais bem visto pelos júris académicos. No doutoramento, consegui eu convencê-lo a tratar temas mais relacionados com a atividade prática. Fiz a tese sobre um projeto em que estávamos a trabalhar em conjunto com colegas da Universidade do Porto e da Salvador Caetano, com verbas europeias, que visava o desenvolvimento de um modelo de autocarro, e que teve correspondência num autocarro que circulou durante vários anos, o modelo Delta. Simultaneamente, tratei das questões de escoamento exterior e da otimização da forma do veículo, de maneira a ser o mais eficiente possível sob o ponto de vista energético, mas também dos escoamentos no interior, para ter em conta o conforto térmico, a qualidade do ar, etc. Tinha a impressão de que uma carreira só em torno da aerodinâmica dos veículos era um mercado relativamente limitado, porque em Portugal há poucos fabricantes. Na altura também trabalhámos no desenvolvimento de um novo veículo da UMM para o qual chegou a haver protótipo mas que nunca foi lançado oficialmente. A nível internacional, os grandes fabricantes não externalizam esse tipo de atividades porque envolvem algum segredo industrial e normalmente os fabricantes têm os seus próprios túneis de vento, fazem o seu próprio desenvolvimento e essas atividades não são muito entregues às universidades. Por causa disso, achei que seria importante passar a ter outras áreas de atuação, como o estudo do que se passava no interior do habitáculo dos autocarros, isto é, a qualidade ambiental interior. Eu tinha começado a trabalhar em áreas relacionadas com conforto térmico e qualidade do ar interior quando resolvi acrescentar os outros estímulos que podem causar desconforto a quem está em ambientes interiores, que são o ruído, as vibrações e a iluminação. Como os compartimentos interiores existem nos veículos e até, maioritariamente, nos edifícios, comecei a desenvolver atividade nestas áreas relacionadas com a qualidade ambiental interior e com a relação que essa qualidade ambiental interior tem com a eficiência energética e com a sustentabilidade. Quando eu, retrospetivamente, analiso as minhas publicações, do ponto de vista das que tiveram mais sucesso em termos de indicadores, constato que esta questão da qualidade ambiental interior é provavelmente a área em que serei mais conhecido. Desde o princípio, as minhas atividades letivas foram muito relacionadas com a instrumentação, sistemas de medição e esse tipo de atividades. Faço parte da direção da ADAI (Associação para o Desenvolvimento da Aerodinâmica Industrial), uma associação privada sem fins lucrativos, criada para conseguir, a partir da universidade, aceder a fundos comunitários. Na altura do lançamento dos primeiros programas de apoio à indústria com fundos europeus, o ministro Mira Amaral disse que as universidades, só por si, não teriam acesso aos fundos comunitários do PEDIP I; teriam de concorrer em associação com parceiros industriais. Como nós tínhamos planos para criar o laboratório, instalar o túnel de vento e também desenvolver outras áreas de apoio à indústria, resolvemos criar essa associação, que fez agora 30 anos. De outra forma, qualquer coisa que fizéssemos teria de passar por três ou quatro níveis hierárquicos de decisão. Com este tipo de associação privada sem fins lucrativos, há mais responsabilidade em cima dos nossos ombros, porque é preciso ter um corpo de funcionários, e depois temos de nos preocupar com o pagamento do salário de várias pessoas ao fim do mês, mas quando temos de executar ou receber as verbas, isso é diretamente feito pela direção da associação. Desde 1996 que temos um laboratório acreditado que faz algum tipo de ensaio nessas áreas da qualidade ambiental interior, da acústica e da ventilação.

As análises têm sido feitas em todo o tipo de edifícios ou com mais preponderância nos industriais, ou residenciais, ou unidades de saúde?

Tem tido épocas, que dependem muito do cumprimento que as autoridades exigem das leis. Nós tivemos, há uns anos, uma coisa terrível para a qualidade dos nossos edifícios e da nossa engenharia. No âmbito das medidas do tipo Simplex, muitos ensaios que deveriam ser obrigatórios em relação à receção dos edifícios são substituídos por um termo de responsabilidade assinado pelo projetista a dizer que o edifício cumpre, e isso passa-se em relação a vários aspetos. Houve muita coisa que deixou de ser verificada. Depois, se não cumpre ou se houver problemas, em princípio também não acontece nada (...)

Leia a entrevista completa na TecnoHospital nº100, jul/ago 2020

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