As infeções associadas aos cuidados de saúde(IACS)

Por Ana Maria Félix

Trabalho em equipa multidisciplinar

As infeções associadas aos cuidados de saúde constituem uma importante causa de morbilidade e mortalidade.

A DGS define Infeção Associada aos Cuidados de Saúde (IACS) como uma infeção adquirida pelos doentes em consequência dos cuidados e procedimentos de saúde e que pode, em simultâneo, afetar os profissionais durante o exercício da sua atividade.

Estes eventos, pela sua prevalência, podem causar um importante impacto, quer económico, sequela dos custos associados aos internamentos e tratamentos, quer ao nível do absentismo laboral, (quando incidem sobre os cidadãos em idade ativa). De igual forma, não será displicente referir os potenciais anos de vida perdidos (traduzidos em Dalys: disability adjusted life years) e a modificação de determinantes em saúde e dos padrões de morbilidade evidenciados na redução da qualidade de vida dos indivíduos afetados (traduzidos em Qualy: quality-adjusted life years). No seu global, o impacto destas infeções é de efeito direto na comunidade em que estes cidadãos estão inseridos.

A origem das IACS é multifatorial, podendo começar em hospitais de agudos, na comunidade, nas unidades de cuidados continuados, no ambulatório ou ainda terem origem desconhecida. A estratégia de prevenção será sempre integrada e ampla, envolvendo as estruturas organizacionais e os profissionais em rede multidisciplinar, podendo esta estratégia constituir-se como capacitadora de potenciais ganhos em saúde.

A estratégia das organizações de saúde

As organizações da saúde são locais complexos, pois diversos players desempenham papéis importantes, e ao interagir com os doentes podem potenciar a disseminação da infeção através de potenciais triângulos epidemiológicos de infeção cruzada. Esta triangulação tanto pode ocorrer entre humanos (doente, prestador de cuidados e visitante), como através destes e da sua envolvente/ ecossistema (superfícies).

Claro que na ausência ou no lapso de cumprimento de precauções básicas em saúde por parte dos profissionais, poderá sempre ocorrer o efeito dominó ou efeito “Swiss cheese”. Nesta premissa, o risco sempre presente, e que se define como a probabilidade de ocorrência de um efeito nefasto, pode fazer alinhar as condições de vulnerabilidade do doente com condições adjuvantes de fragilidade ambiental e assim, no seu conjunto, constituir-se como fator desencadeador de uma IAC.

Daí que a prioridade maior deva ser a interrupção da cadeia epidemiológica da infeção através do estabelecimento de estratégias integradoras globais envolvendo as vertentes: 1) Organizacional, 2) Formação/ Informação, 3) Vigilância Epidemiológica, 4) Práticas Clínicas Seguras e 5) Articulação interinstitucional e os Stakeholders.

No seu conjunto, o puzzle pode ser efetivamente coeso e potenciador de ganhos em saúde, configurando-se a vertente organizacional como estrutura decisória, assente em estratégias de formação, de avaliação das ações desenvolvidas e na aposta na cultura organizacional de segurança. A formação de profissionais é basilar, incidindo no treino em áreas interdisciplinares, na relocação de tarefas e implementação de rotinas como medidas básicas. Esta formação favorecerá e facilitará o desenvolvimento da metodologia em que assenta cientificamente a vigilância epidemiológica ativa. Esta vertente deverá ser abrangente, ainda que essa abrangência deva contemplar a necessidade de envolver a vertente ambiental (Descolonização e Desinfeção ambiental). A multidisciplinaridade, porém, só se concretiza em equipa quando conduz à partilha de objetivos entre profissionais, que trabalham juntos e em conjunto, para atingir esses objetivos. Porém, a partilha de deveres deve ser complementada com integração de competências, que embora diferentes, devem ser coesas e bem definidas. A multidisciplinaridade deverá também incorporar estratégias de brainstorming, tendentes à elaboração de evidências científicas, plasmadas em registos escritos, que facilitam posteriormente o teach back.

Claro que as equipas de saúde são diferentes das de outros tipos de organização, mas o que as torna coesas, apesar de terem conexões diferentes, são os seus membros que trabalham de forma independente e interagem formalmente não apenas para a equipa, mas também para os seus grupos profissionais. O sucesso do modelo de equipa depende do conhecimento da própria área, das disciplinas dos outros membros da equipa, da flexibilidade dos papéis, do conforto e capacidade em dar e receber formação de outras disciplinas.

 Para promover uma colaboração eficaz, a equipa deve abordar questões de dinâmica de grupo, comunicação, tomada de decisão e estilos de liderança. Isso pode ser conseguido através do planeamento das atividades. Os profissionais que atuam em equipa sob o mesmo guarda-chuva organizacional devem ter os seus papéis claramente negociados e definidos.

Estas equipas multidisciplinares podem ser compostas por diversos players integrando profissionais de saúde, nomeadamente médicos, enfermeiros, farmacêuticos, Técnicos de Laboratório, mas também outros profissionais (Engenheiros Informáticos e assistentes técnicos e operacionais). Pretende-se, com esta multidisciplinaridade, pensamento crítico, criatividade, capacidade de trabalhar em equipa, Inteligência emocional, flexibilidade cognitiva e capacidade de negociação.

Por outro lado, estas equipas devem ser dinâmicas, e tal como as condições do doente mudam ao longo do tempo, a composição da equipa pode ser alterada, refletindo assim as mudanças nas necessidades clínicas e psicossociais do cidadão. O desafio seguinte será a capacidade de manter o espírito de equipa focado nos seus objetivos iniciais. Esta é uma tarefa de longo prazo que exige atenção e ajustes constantes, assim como bons líderes de equipa.

Através de uma análise SWOT, será possível identificar quem tem o conhecimento, quem tem a capacidade de executar, a competência para fazer e a atitude certa para desempenhar.

A formação deve ser adequada a cada objetivo definido, sendo imprescindível estabelecer a temporalidade de cada ação a desenvolver. Neste âmbito, devem ser estabelecidos timings de avaliação, que podem conduzir à redefinição de objetivos e de estratégias.

Só assim será possível a implementação de um sistema de vigilância epidemiológica, que permita detetar os microrganismos relevantes e possibilite a comunicação das resistências através de alerta rápido. A estratégia incidirá na Identificação de áreas problema, no esclarecimento de relação causal e no planeamento e implementação de estratégias para prevenção das IACS. Só assim será possível a deteção precoce de novos casos e a monitorização das intervenções implementadas. O foco será sempre o estabelecimento de ações tendentes ao incremento na qualidade dos cuidados.

A vigilância epidemiológica (VE), como estratégia, assenta em Bundles, isto é, em conjuntos de práticas simples cuja aplicação simultânea define um resultado do tipo tudo-ou-nada, em que este resultado é superior ao obtido pela aplicação individual de cada prática. Deve ser alicerçado na monitorização diária e com o envolvimento total da equipa. Os exemplos basilares destas Bundles configuram-se na higiene das mãos dos profissionais, na adequada utilização das luvas, na higiene das superfícies no espaço do doente, na paragem da antibioterapia profilática cirúrgica nas 24 horas anteriores à intervenção e na paragem antibioterapêutica aos 7 dias.

Mas a VE deve também ser orientada por problemas, sendo que um problema possa ser uma infeção índice ou situação que possa aumentar o risco de infeção, mas com capacidade de poder ser minimizado ou eliminado através de ações preventivas ou de controlo. De entre estas destaca-se a higiene do ambiente, a higiene das mãos e o tratamento de roupas e resíduos.

Mas a VE deve ter o seu foco no desenvolvimento de práticas clínicas seguras, seguindo as precauções básicas e as precauções baseadas nas vias de transmissão. Esta cultura de segurança deverá promover a implementação nas unidades de Saúde dos Feixes de Intervenção, publicados como normas de orientação clínica pela DGS e outros que venham a ser considerados necessários, e respetiva filosofia de aplicação, como forma de prevenção das IACS; WHO: World Alliance for Patient Safety.

De igual forma e relevância, a avaliação do impacto de intervenções através de ações de benchmarking interno e externo é imprescindível para identificar os pontos mais fracos e proceder à identificação de áreas de melhoria.

A resistência aos antimicrobianos

Noutra vertente do problema situa-se o consumo excessivo de antimicrobianos e resistência aos antimicrobianos (RAM). O European Centre for Diasease Prevention and Control (ECDC), em 2018, referia que “1 em cada 3 utentes recebe pelo menos um antimicrobiano em cada dia, alguns dos quais, desnecessariamente, o que propicia a resistência aos antimicrobianos”. O seu Diretor salienta ainda que “Com 33.000 mortes na Europa, em cada ano, como consequência de uma infeção por bactérias resistentes a antimicrobianos e com 1 bilião de euros em gastos anuais com saúde, precisamos de garantir que estes medicamentos sejam usados com prudência e que sejam implementadas medidas de prevenção e controlo de infeção em todos os serviços de saúde, em toda a Europa” https://ecdc.europa.eu/en/antimicrobial-resistance.

No outro pilar da problemática verifica-se, com crescente preocupação, a subida dos custos diretos e indiretos relacionados com as infeções por bactérias multirresistentes e para as restantes IACS. As projeções internacionais estimam que, por volta do ano 2050, morrerão anualmente cerca de 390 mil pessoas na Europa e 10 milhões em todo o Mundo, em consequência direta das resistências aos antimicrobianos (HM Government. Review on Antimicrobial Resistance. Tackling Drug-Resistant Infections Globally: Final Report and Recommendations”. May 2016. And ECDC (Antimicrobial use in European acute care hospitals: results from the second point prevalence survey (PPS) of healthcare-associated infections and antimicrobial use, 2016 to 2017.

A OCDE, no seu artigo “Stopping antimicrobial resistance would cost just USD 2 per person a year”, refere: “A Europa do Sul corre o risco de ser particularmente afetada. A Itália, Grécia e Portugal estão no topo da lista dos países da OCDE com maiores taxas de mortalidade por AMR, (…)por ano estimadas até 2050”.

Em Portugal, nos últimos anos, tem-se vindo a assistir a uma redução significativa das principais resistências, com exceção das Enterobacteriaceae com sensibilidade reduzida aos carbapenemos.

Nesta luta contra o tempo os stakeholders assumem um papel revelante, quer como parceiros internos (todos no mesmo barco) quer com parceiros na sociedade. Aos primeiros exige-se a competência, a responsabilidade e o compromisso, e aos externos a governança corporativa traduzida em solidariedade, cooperação, inovação e investimento. Aqui, de entre outros parceiros, são stakeholders externos as associações de doentes, as UCCI, as ERPIS, a indústria (farmacêutica e outra), o voluntariado, os bombeiros, as autarquias, etc.

De entre todos, existe um lugar de relevo em toda esta problemática que corresponde à família, como Stakeholder de interface.

Aos profissionais de saúde, compete saber ouvir o utente ou a família exprimir-se nas suas palavras, no tempo e no espaço próprio. De igual forma, e através de competência de literacia em saúde, deve possuir a capacidade de explicar-se em termos de saúde, mas em linguagem semelhante.

Porque no controlo da infeção associada aos cuidados de saúde a equipa multidisciplinar deve ser fundamental e abrangente, deve também possuir a capacidade para envolver a família. A sua envolvente constitui-se uma mais-valia traduzida em ganhos em saúde. Um utente/doente pode circular entre a sua habitação e diversos níveis de cuidados e de serviços (UCCI, ERPIS, Diálises, Hospital 1, Hospital 2, etc.). Dessas deslocações, desde que os parceiros não estejam envolvidos e a família consciente do risco envolvido, pode resultar uma prevalência de IACS de grande impacto nas comunidades e nos serviços de saúde onde estes cidadãos se vão inserindo, ao longo do seu processo de tratamento.

Referências

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  2. Baker DP et al. Medical teamwork and patient Safety: the evidence-based relation. Literature Review. AHRQ Publication No. 05-0053.Rockville, MD, Agency for Healthcare,Research and Quality, 2005(http://www.ahrq.gov/qual/medteam/).
  3. Chakraborti C et al. A systematic review of teamwork training interventions in medical student and resident education. Journal of General Internal Medicine, 2008, 23(6):846–853
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  6. Thomas, Eric J. "Improving teamwork in healthcare: current approaches and the path forward." BMJ quality & safety 20, no. 8 (2011): 647-650.
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  9. World Health Organization. “Interprofessional collaborative practice in primary health care: nursing and midwifery perspectives: six case studies." Human Resources for Health Observer, 13. (2013).

Artigo publicado na TecnoHospital nº 91 

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