Entrevista a Ana Rita Cavaco

Ana Rita Cavaco tem exercido o cargo com uma coragem pública que até os seus críticos lhe reconhecerão, num país onde a tradição conformista aconselha prudência para não prejudicar “a carreira”.

A Bastonária preferiu arriscar os efeitos secundários indexados à temeridade, sendo voz ativa em defesa de um serviço público de saúde que dignifique a profissão dos seus pares e por essa via se reflita em benefício para os doentes.

Levantou a voz contra as condições de trabalho e de remuneração dos enfermeiros, as mesmas que empurraram 15 mil para fora do país, denunciou a eutanásia oculta nos hospitais públicos, afrontou governantes, administrações hospitalares e interesses instalados num setor onde muito dinheiro circula mas nem sempre é bem aplicado.

Tendo tomado posse do cargo no início de fevereiro de 2016, a mais jovem Bastonária das Ordens ligadas à área da Saúde considera que, do seu plano de ação para o mandato de 4 anos «falta cumprir pouco» e que «mudámos quase tudo aqui dentro, em termos de organização interna e regulamentação da profissão».

Exemplifica com as especialidades, em que se passou das seis existentes na Ordem desde a sua criação há 20 anos, para mais seis, referindo a área das «competências acrescidas».

No que se refere ao que falta cumprir, anuncia que «vamos negociar com o governo o internato para a especialidade dos enfermeiros e negociar uma nova carreira de enfermeiro especialista, uma categoria de enfermeiro-gestor ou enfermeiro-chefe».

Em época de agudização das lutas sindicais, conduzidas pelos seis Sindicatos dos Enfermeiros existentes em Portugal, tem procurado efetuar alguma coordenação entre os referidos Sindicatos, o que reconhece não ser fácil, já que «os sindicatos estão muito alicerçados em ideais partidários e na enfermagem não é diferente».

Realça que, nos últimos anos, têm sido formados enfermeiros para «exportar», tendo saído do país cerca de 15000 e que, assim sendo, «não seria despropositado pedir à União Europeia que pagasse uma parte desta formação».

Estima que no Sistema de Saúde Português, que inclui o SNS, o Setor Privado e o Setor Social, existe uma carência de 30 mil enfermeiros, pelo que propõe «uma contratação de faseada de 3 mil enfermeiros por ano, durante 10 anos, o que corresponderia a 65 milhões de euros por ano, cerca de 0,6 por cento do orçamento anual da Saúde.

Confrontada com algumas das suas posições públicas, mais polémicas e com eco na comunicação social, designadamente sobre a eutanásia, entende que «da mesma maneira que se legalizou o aborto, também poderíamos fazer uma discussão nesta matéria, com regras muito apertadas, não necessariamente banalizando a prática como se faz em outros países».

Considera, no entanto, que «antes disso, tem que se investir fortemente em cuidados paliativos, para minorar o sofrimento das pessoas no momento da morte, o que não tem sido feito».

Questionada sobre a evidente escassez das pessoas que tratam das instalações e equipamentos de saúde e da quase inexistência de serviços públicos, a nível central, vocacionados para programar, construir, manter, explorar e avaliar as intervenções externas nesta área, declara sentir-se incomodada pela situação: «quando ando nos hospitais e vejo o estado em que estão os equipamentos e os riscos para os doentes, com paredes a cair, buracos no teto e no chão, sítios onde chove, coisas aberrantes».

Entrevista publicada na edição 88 da TecnoHospital.

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