Risco de cheias

FOTOGRAFIA: PublicDomainPictures/ PIXABAY

As cheias que ocorreram na zona de Valência em 29 e 30 de outubro de 2024, que provocaram mais de duas centenas de mortos e a devastação de extensas áreas urbanas gerando avultados prejuízos, suscitam uma inquietante questão: em Portugal estamos preparados para enfrentar uma situação idêntica? O evento referido foi originado por um fenómeno meteorológico designado por gota fria ou depressão isolada em níveis elevados. Em cerca de 8 horas a precipitação igualou o valor da precipitação anual média em vários locais. A gota fria ocorre em regiões de médias latitudes e é bastante frequente em Espanha, na vertente mediterrânica, durante o outono.

Como o mar do Mediterrâneo tem estado mais quente, em resultado também das alterações climáticas, a evaporação é maior e a humidade disponível para alimentar a gota fria aumenta, pelo que a precipitação é mais intensa e as tempestades são mais frequentes. Porque a precipitação intensa é localizada sobre a área do sistema depressionário, estes eventos causam, em regra, danos muito elevados. O evento de chuvas extremas de 29 e 30 de outubro de 2024 não pode ser considerado raro. Existem registos de inundações trágicas em Valência desde a fundação da cidade, em 138 a.c.. Estão registadas em documentos oficiais 36 grandes inundações desde 1321, o que corresponde a uma frequência média de uma vez em cada 20 anos.

Risco de cheias em Portugal

A maior parte da população em Portugal concentra-se no litoral, na faixa atlântica a norte de Setúbal e no Algarve, onde as áreas urbanas se expandiram em muitos casos sem políticas urbanas racionais, ocupando os vales e mesmo os próprios cursos de água que foram frequentemente confinados em coletores por constituírem, sobretudo em estiagem, valas de drenagem dos esgotos incompatíveis com a salubridade urbana.

Em Portugal a formação de gotas frias é menos frequente e a intensidade da precipitação associada é menor do que na vertente mediterrânica da Península Ibérica em Espanha, embora se tenham registado fenómenos de precipitação muito intensa e cheias associadas a gotas frias no outono, sobretudo no Algarve e no Baixo Alentejo, mas também na região de Lisboa. O facto de as temperaturas da água do mar no Oceano Atlântico no verão e no outono serem em regra muito inferiores às que se registam no Mediterrâneo explica essa menor frequência e intensidade. (...)

Por António Gonçalves Henriques
Engenheiro Civil, Especialista em Hidráulica e Recursos Hídricos,
Doutor em Engenharia Civil; Presidente do Instituto do Ambiente e Diretor-Geral da Agência Portuguesa do Ambiente.
Coordenador da Comissão de Especialização de Hidráulica e Recursos Hídricos da Ordem dos Engenheiros
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Leia o artigo na TecnoHospital nº 126, novembro/ dezembro 2024 dedicada ao tema "Prevenção e plano de ação de catástrofes"

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