Entrevista a Henrique de Barros

Henrique de Barros é um dos epidemiologistas que nos habituámos a ouvir com frequência durante a pandemia, desde a adoção do modelo das reuniões do Infarmed. O Presidente do Conselho Nacional de Saúde fala-nos do seu trabalho em prol da Epidemiologia e da sua visão sobre a forma como os cuidados de saúde devem evoluir para se tornarem mais resilientes e próximos do cidadão.

Entrevista por Abraão Ribeiro, Fernando Barbosa, José Batista e Cátia Vilaça

Fale-nos um pouco do seu perfil.

Nasci no Porto em 1957 e fiz a minha formação escolar também no Porto. Fiz Letras e Ciências até ao fim do antigo liceu, porque me interessava particularmente a História, mas depois optei por Medicina e pertenci ao primeiro curso altamente rastreado à entrada: em 1974 a universidade fechou para entradas, e em 1975 havia mil e tal candidatos na Faculdade de Medicina do Porto, mas só 200 entraram. Foi um percurso interessante do ponto de vista dos processos de seleção que haveriam de continuar até ao que é hoje o acesso a alguns cursos. Depois do exame de internato fiz o treino de especialidade no Hospital de Santo António, em Gastrenterologia, ao mesmo tempo que fui prosseguindo com o meu trabalho na universidade. A certa altura abandonei a clínica porque era muito difícil conciliar as duas tarefas. A minha opção recaiu em trabalhar, tanto quanto fosse capaz e tivesse ideias e soluções para criar um grupo académico forte, na área da Epidemiologia, que não existia em Portugal na altura. E fazer investigação nessa área, que fosse competitiva e internacionalmente reconhecida. Paralelamente, tive várias atividades de translação para a sociedade, e foi isso que me levou a ter responsabilidades em programas como o Programa Nacional para a Infeção VIH e SIDA. Antes disso tive um envolvimento grande no processo da coincineração nas cimenteiras para o tratamento dos resíduos industriais perigosos. Pertenci ao comité científico da Science Europe (MED), ou seja, integrava a área da saúde pública nessa instituição da União Europeia para as políticas da investigação. Está também a terminar o meu mandato como Presidente da Associação Internacional de Epidemiologia. Penso que o mais importante do meu trabalho ao longo destes anos foi ajudar a dar visibilidade à Epidemiologia como ciência e como necessidade, ainda que não com tanto sucesso como gostaria, como se viu agora na resposta à COVID, em que era evidente a falta de recursos humanos. Defendi e acho que consegui ajudar a levar à prática uma coisa que para mim era essencial, mas infelizmente ainda não se disseminou pelo país, que são os serviços de Epidemiologia Hospitalar, ou seja, criar condições para que a resolução dos problemas de saúde siga as pessoas e circule entre diferentes estruturas de uma forma harmoniosa. Compreender definitivamente que o que se passa nos hospitais influencia a saúde na comunidade e o que se passa na comunidade influencia a capacidade de os hospitais responderem e se prepararem. Estas estruturas de Epidemiologia virão a ser, seguramente, no futuro, extremamente importantes pela sua capacidade de ajudarem a avaliar a relevância das nossas medidas e irem monitorizando o seu efeito. Um exemplo banal mas muito relevante é o controlo da infeção hospitalar, que obriga a esta triangulação entre as instituições da comunidade, por exemplo os lares e unidades de cuidados continuados, os hospitais, e depois as escolhas clínicas e a literacia em saúde. Sem articular tudo isso é impossível controlar a infeção.

A esse propósito, a ATEHP, juntamente com a APIH, promoveu, em 2017, seminários nas três ARS para abordar a questão das Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI). Foram convidados clínicos, Segurança Social e a Secretária de Estado da altura, mas apenas o diretor regional da Segurança Social de Castelo Branco demonstrou interesse. O programa propunha que participassem no rastreamento do percurso dos doentes, dos lares até aos hospitais e vice-versa. A COVID veio por a descoberto essas deficiências que existiam nos lares, sobretudo os ilegais mas também os que estão legalizados.

Eu quero ser otimista, embora a vida me tenha mostrado que nós temos uma certa dificuldade em aprender. Nós como sociedade, tanto quanto sou capaz de a ler, não temos uma tradição de grande amor à ciência, à experimentação, à capacidade de aprender de uma forma controlada, e vivemos na célebre bandeira de que somos capazes de resolver as coisas nas grandes aflições. Toda a gente é capaz de resolver as coisas nas grandes aflições, e felizmente a vida não são só grandes aflições e se calhar é por isso que em certa medida nós ficámos para trás. Muito disto tem a ver com uma coisa que, como engenheiros, compreendem muito bem, que é o fluxo e a utilização da informação – transformar a informação em conhecimento. Se a informação não circular, se não for ligada, se existir apenas em círculos, nós nunca conseguimos juntar as peças para compreender verdadeiramente o puzzle. Essas estruturas só cumprirão de facto a sua função e nós só teremos a verdadeira dimensão dos problemas quando elas próprias forem integradas nesse sistema geral de informação. Um filósofo inglês dizia que na Idade Média, a grandeza de uma cidade, quando vista de longe, eram as catedrais; depois, no século XIX, o grande monumento das cidades, que ainda hoje temos aos nossos olhos, eram as grandes estações de caminhos-de-ferro; finalmente, no século XX, o grande monumento das cidades eram os hospitais. A pergunta é se isso irá ser assim no século XXI. O que se vai ver quando se olha para a cidade? Provavelmente estaremos a olhar para os telefones, e os monumentos vão ser as “catedrais” informáticas ou as redes de informação, e nós estamos a demorar muito tempo a fazer circular informação. Muitas questões de controlo, não no sentido policial mas sanitário, só são possíveis se houver um bom conhecimento, se tivermos a capacidade de captar sinais, e nós só captamos sinais se tivermos informação, e para isso também é preciso gente. O nosso SNS, naturalmente, investiu muito na dimensão curativa, que é a que se vê, até do ponto de vista do seu impacto mais político, mais imediato, e virá o tempo de se poder investir muito também na vertente preventiva e na vertente de promoção. (...)

Leia a entrevista completa na TecnoHospital nº105, mai/jun 2021, dedicado ao tema 'Manutenção, monitorização e predição de Instalações e Equipamentos de Saúde'

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