Entrevista a Henrique Gouveia e Melo

  • 01 setembro 2021, quarta-feira
  • Gestão

O mote era a logística da vacinação, mas a conversa estendeu-se a outros horizontes: a vida militar, a posição estratégica de Portugal e as mais-valias que o país pode daí retirar. À boleia da missão coordenada pela task force, reflete-se sobre a oportunidade de reorganizar processos no Serviço Nacional de Saúde.

Entrevista por Abraão Ribeiro, Nelson Baltazar, Fernando Barbosa e Cátia Vilaça, com a colaboração de Letícia Ferreira

Fale-nos um pouco do seu perfil. O seu nome (Passaláqua) também o puxou para profundidades oceânicas ou resulta de uma ascendência não portuguesa?

O nome é oriundo da área de Génova, de uma família que trouxe a técnica da cana-de-açúcar para a Madeira, no século XVII. Da Madeira, essa família foi para África (São Tomé, Angola), para a Índia portuguesa e de lá para Moçambique. Eu sou um dos descendentes, pelo lado materno, de um destes ramos que foi para a Índia e depois regressou à Madeira. O meu bisavô materno era oficial general do exército e foi o chefe dos espíritas portugueses. Foi um dos fundadores do espiritismo em Portugal.

Apesar de ter agora uma missão um pouco diferente do habitual, tem uma tarefa objetiva, que é organizar a rede de vacinação. O que pensa deste papel que liga um olhar militar a um olhar de humanização e diálogo?

O processo de vacinação é complexo porque é massivo e urgente. Eu digo isto muitas vezes mas repito: se fosse só massivo mas tivesse muito tempo para ser realizado podia não ser complexo; se fosse só urgente mas com poucas pessoas, eventualmente também não seria complexo. É complexo porque reúne a urgência à quantidade de soluções que têm de ser encontradas para a vacinação massiva. Na Saúde, encontrei um sistema que tem uma gestão distribuída, muito horizontalizada, regionalizada, e dentro das cinco regiões, com responsabilidades também distribuídas entre ARS e ACES. Uma vez que esta organização distribuída já fazia e faz, com sucesso, processos de vacinação há muitos anos, havia um entendimento, no início do processo, de que reforçando essa estrutura distribuída se conseguiria desenvolver um processo com esta complexidade. Eu, fazendo parte desse grupo inicial, sempre achei que não iríamos conseguir, com a estrutura normal e distribuída, e com o comando distribuído dessa estrutura, pôr em prática um processo tão massivo como este. O que eu trouxe ao processo foi uma visão de comando mais centralizado. Usando uma técnica muito militar, que é o comando e controlo centralizado, centralizou-se a gestão, mas a execução foi distribuída, dotando os mecanismos que têm de fazer a execução deste processo de alguma autonomia para poderem reagir rapidamente a eventos que apareçam no terreno. No entanto, por ser um processo organizado centralmente e com um controlo central, a autonomia habitual dessa estrutura ficou de alguma forma limitada. Isso criou alguns problemas de adaptação inicial. No entanto, conforme nós fomos avançando no processo, constatou-se rapidamente que havia uma necessidade de coordenação central, até porque a administração do stock a isso obriga e há uma rotação muito forte dos stocks das próprias vacinas. No início, as vacinas tinham uma durabilidade muito limitada e um tempo de inoculação muito limitado, e tudo isso obrigava a uma gestão muito centralizada. O processo evoluiu naturalmente para aí. Para uma gestão centralizada há uma necessidade muito forte de ter indicadores de dados centralizados, e esse foi o grande problema. O grande problema inicial foi conseguir congregar dados e indicadores centralizados, e o segundo foi conseguir convocar as pessoas de forma centralizada ao agendamento massivo, para que o processo fosse minimamente ordeiro e organizado. É esse o grande desafio que estamos a enfrentar neste momento: ter sistemas de comando e controlo geridos de forma centralizada, com bases de dados centralizadas, que consiga fazer humanamente uma operação desta complexidade, nomeadamente na área dos agendamentos.

Comando e controlo é uma lógica também muito aplicada em Gestão, mas em Saúde, como acaba de referir, nem sempre é fácil. Um dos nossos anteriores entrevistados, o Professor António Costa e Silva, referia que a Saúde tem de ser reorganizada. O Sr. Vice-almirante também já referiu noutras entrevistas que reorganizar a Saúde levará muitos anos. Esta experiência pode ser útil para o processo de reorganização de todo o SNS no futuro?

HGM: A necessidade vai obrigar-nos a caminhar. Esta pandemia veio criar pressão no sistema de saúde, obrigando-o a encontrar soluções para o problema que estamos a enfrentar. Essas pressões vão de certeza mexer com a cultura e com a organização da própria Saúde e vão ter um impacto que vai durar para além da pandemia. Quando eu digo que isto demorará anos a endireitar, é uma expressão alegórica: há uma frente gigantesca de reorganização que tem de ser preparada. Eu não sou especialista em Saúde mas refiro-me ao Estado em geral. Nós não podemos estar na cauda da Europa porque não temos nenhum problema genético. (…)

Leia a entrevista completa na TecnoHospital nº106, jul/ago 2021, dedicada ao tema 'Logística e Processo Informático de suporte à Vacinação COVID-19'

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