Estudo revela “grandes assimetrias regionais” na qualidade dos cuidados de saúde materno-infantis

Um estudo agora divulgado sobre o impacto da pandemia nos cuidados materno-infantis, desenvolvido em 20 países da Europa, incluindo Portugal, revelou “grandes assimetrias regionais” em Portugal, com o Norte e Lisboa em melhor posição.

A investigação desenvolvida em Portugal pelo Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), a que a agência Lusa teve acesso, sugere que entre 2020 e 2021 existia “uma grande variabilidade” na qualidade dos cuidados materno-infantis prestados no país.

Segundo a investigadora do ISPUP, Raquel Costa, responsável pela coordenação do projeto Improving MAternal Newborn CarE in the EURO Region – IMAGINE EURO em Portugal, a qualidade dos cuidados materno-infantis foi “mais elevada a Norte e em Lisboa e mais baixa na região Centro”.

No âmbito deste projeto, o estudo “Regional differences in the quality of maternal and neonatal care during the COVID-19 pandemic in Portugal: Results from the IMAGINE EURO study” (Diferenças regionais na qualidade do cuidado materno e neonatal durante a pandemia em Portugal) é inteiramente dedicado à realidade portuguesa, descrevendo diferenças entre regiões.

De acordo com os dados recolhidos, um terço das mulheres que tiveram um parto numa unidade hospitalar portuguesa entre março de 2020 e outubro de 2021 foram submetidas a cesariana.

Olhando para as mulheres que passaram por trabalho de parto, 30,8 por cento tiveram um parto vaginal instrumentado, com variação entre os 22,3 por cento registados na região do Algarve e 33,5 por cento, na região Centro.

A Manobra de Kristeller (aplicação de pressão externa sobre o útero) foi realizada em 49,7 por cento dos casos de parto vaginal instrumentado, sendo a percentagem mais baixa registada de 34,8 por cento, em Lisboa, e a mais alta de 66,7 por cento, no Centro.

Em 39,3 por cento das mulheres com parto vaginal não instrumentado foi realizada uma episiotomia (incisão feita no períneo para ampliar o canal de parto), tendo a percentagem mais elevada sido registada no Centro do país, em 59,8 por cento dos casos; a percentagem mais baixa observou-se no Norte, fixando-se nos 31,8 por cento.

Os autores do estudo destacam também que um quarto destas mulheres reportou ter tido um apoio inadequado à amamentação (19,4 por cento, a percentagem mais baixa, foi registada no Algarve e 31,5 por cento, a mais alta, em Lisboa) e que 22 por cento das mulheres não estariam a amamentar exclusivamente, aquando da sua alta hospitalar (com variações entre os 19,5 por cento em Lisboa e os 28,2 por cento no Algarve).

“Estas diferenças tão acentuadas dificilmente estarão relacionadas com as necessidades das mulheres, mas sim com a cultura de cada instituição hospitalar”, alertou Raquel Costa, que é também coordenadora do laboratório Saúde Mental Perinatal e Pediátrica, do Laboratório associado para a Investigação Integrativa e Translacional em Saúde Populacional, coordenado pelo ISPUP.

Entre os indicadores recolhidos para avaliar a perceção das mulheres que passaram por trabalho de parto, 38,1 por cento das parturientes sentiram “falta de apoio emocional durante o parto (com variações percentuais entre 28,7 por cento no Norte e 51,1 por cento no Centro), 31,9 por cento sentiram que não foram tratadas com dignidade (26,9 por cento no Norte e 45,1 por cento no Centro) e 23,3 por cento sentiram que foram vítimas de algum tipo de abuso físico, verbal ou emocional (17,8 por cento no Norte e, no pior cenário, 32,2 por cento no Centro)”.

Mais ainda, “66,2 por cento das mulheres sentiram limitações impostas à presença de um acompanhante à sua escolha, no momento do parto, com a percentagem mais baixa a ser registada em Lisboa, 56,2 por cento, e a mais alta no Centro, 88,4 por cento”, lê-se no estudo.

No universo das mulheres que experienciaram um parto vaginal não-instrumentado, a maioria, 64 por cento, afirma não lhe ter sido permitida a escolha da posição do parto, verificando-se uma discrepância muito evidente entre o Norte, com 54,1 por cento e o Centro, com 80,3 por cento.

Entre as mulheres com parto vaginal instrumentado, a 62,2 por cento não foi pedido consentimento para a utilização de instrumentos (variando entre 52,3 por cento no Norte e 78,3 por cento no Algarve).

Cerca de um ano depois da divulgação dos primeiros resultados do projeto Improving MAternal Newborn CarE in the EURO Region – IMAGINE EURO terem sido publicados, o International Journal of Gynecology and Obstetrics publicou, agora, um suplemento totalmente dedicado à análise detalhada destes cuidados em cada um dos países envolvidos.

Este é “o primeiro estudo” a utilizar os indicadores de qualidade da Organização Mundial da Saúde (OMS) para avaliar diferenças regionais, na perspetiva das mulheres, na qualidade dos cuidados materno-infantis prestados no momento do parto, nas instituições de saúde portuguesas, durante a pandemia de Covid-19.

Procurou-se avaliar a perceção das mães relativamente à qualidade dos cuidados materno-infantis em quatro parâmetros distintos: os cuidados prestados, a experiência e perceção da mulher sobre os cuidados que recebeu, a disponibilidade de recursos físicos e humanos nos serviços hospitalares e a capacidade de reorganização dos serviços no contexto da pandemia de Covid-19.

Para cumprir este objetivo, os investigadores elaboraram um questionário, disponibilizado em formato online, em mais de 20 idiomas, e dirigido a mulheres que tiveram um parto, entre março de 2020 e outubro de 2021.

Para a realidade nacional, foram consideradas as respostas de 1 845 mulheres, maiores de 18 anos, residentes em Portugal continental ou nas ilhas.

O inquérito foi elaborado com base numa lista de Normas, preparadas pela OMS, em 2016, para melhorar a qualidade dos cuidados hospitalares prestados às mães e aos recém-nascidos.

Em Portugal, a informação disponível sobre a qualidade dos cuidados materno-infantis é extremamente escassa, levando, em 2021, à emissão de uma Resolução por parte da Assembleia da República que expressa a necessidade de eliminar as práticas de violência obstétrica no país e realizar estudos anónimos para avaliar os cuidados prestados em saúde materno-infantil, especificamente com a indicação de averiguar a prevalência dessas práticas no país.

Os autores do estudo agora divulgado salientaram que existem no nosso país exemplos de cuidados de saúde materno-infantis “com elevada qualidade, que importa serem reproduzidos e expandidos de forma a mitigar a ocorrência de situações de desrespeito e abuso, bem como as desigualdades no acesso a cuidados de saúde de qualidade”.

Em Portugal, além do ISPUP, são parceiros do IMAGINE EURO a ARS Algarve, a Universidade Europeia e a Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e no Parto.

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