Entrevista a António Costa Silva

A partir do papel de “cidadão”, António Costa Silva vai revelando as fundações da visão estratégica que traçou para a implementação do Plano de Recuperação e Resiliência. O foco foi, naturalmente, a Saúde, e dentro da Saúde, a digitalização. Dentro da Saúde, como fora dela, as políticas públicas bem desenhadas e as sinergias com a sociedade civil assumem um papel central na visão de Costa Silva.

Entrevista por Abraão Ribeiro, Durão Carvalho e Cátia Vilaça

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Primeiro que tudo sou um cidadão que nunca desiste de pensar nos problemas do país, tenta participar e dar a sua opinião, e também sou um cidadão que nunca recusa a aventura de viver, por mais difícil que a vida às vezes seja. Sou engenheiro de minas, mas depois tirei Engenharia de Petróleos no Imperial College, em Londres. Trabalhei quase sempre nas indústrias de energia, que é outro tema muito importante em termos do futuro porque estamos perante uma transição energética que vai marcar todo este século, necessária para enfrentarmos a questão da crise climática. No entanto, mais importante do que isso tudo é hoje estarmos confrontados com esta crise pandémica, esta crise de saúde, que nos obriga a olhar para todas as nossas prioridades e a rever os paradigmas estabelecidos. A crise sanitária é a ponta do icebergue, mas já se transformou numa crise económica e social profunda, e se escavarmos o icebergue, estamos confrontados com uma crise climática e ambiental ainda mais profunda. Para sairmos daqui não podemos ficar a pensar agarrados ao corrimão das ideias feitas. É isso que ainda noto muito no debate público em Portugal: estamos a tentar, com as mesmas ideias e soluções, obter resultados diferentes, e isso não vai acontecer se não mudarmos o nosso paradigma mental.

Qual a contribuição que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) deve dar à área da Saúde?

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) é a joia da coroa da democracia portuguesa, é extremamente importante e é um fator de coesão e de resposta para o futuro. É por isso que eu penso que uma das questões no debate público, que às vezes não fica suficientemente clara, é que não existe uma suficiente valorização do SNS. Ainda hoje há pessoas e correntes políticas que defendem a teoria do Estado mínimo, isto é, da privatização de todos os serviços públicos, incluindo da Saúde, deixando o mercado a ditar o funcionamento das sociedades. Os mercados são importantes, são máquinas criativas, mas nós descobrimos com esta crise que quando há um fator exógeno desta dimensão não é o mercado que nos salva, é mesmo o SNS, é o Estado, são as políticas públicas e as políticas sociais. É por isso que eu defendo que nesta fase tem de haver uma combinação virtuosa entre o Estado e os seus serviços, incluindo o SNS, e o mercado.  A visão estratégica aglutina toda uma série de instrumentos, e o PRR é sobretudo preparado pelo Governo no enquadramento dessa visão estratégica. Nós não podemos ver o PRR isolado. Temos de ver também o Portugal 2020, com todos os investimentos que vinham de trás, e no âmbito da saúde há também o POSEUR, há o Programa de Investimentos na Área da Saúde, há o Orçamento de Estado, há todo um conjunto de projetos que estão a decorrer, e agora há também o PRR, que no seu conjunto tem 16.6 mil milhões de euros de investimento, dos quais cerca de 1383 milhões para a área da saúde especificamente. Há também o quadro financeiro plurianual, que vem a seguir, e que vai orçar à volta de 29.8 mil milhões de euros. Estamos em face de uma crise brutal mas simultaneamente temos recursos financeiros consideráveis, e portanto uma das grandes preocupações é a articulação de todos estes investimentos, a sua monitorização e a definição de prioridades estratégicas e da análise custo-benefício, que eu acho que tem de estar indexada ao PRR. Na versão inicial havia um quadro macroeconómico associado e algumas métricas, e penso que o governo estará a trabalhar nisso. A nível do escrutínio público, é preciso saber como as coisas vão ser feitas e quais são as prioridades. Para responder claramente à questão, há cerca de 1383 milhões de euros de investimento associados à área da saúde. Há um pacote muito significativo para os cuidados de saúde primários, e também para os cuidados continuados e paliativos, para a reforma da saúde mental e para alguns equipamentos hospitalares, nomeadamente [os hospitais de] Lisboa, Seixal, Sintra e outros, que se articulam com o que vinha de trás, havendo cerca de 300 milhões de euros alocados à transição digital nos hospitais. Esta questão para mim é fundamental. Nós não vamos conseguir responder à amplitude desta crise sem reconfigurar todo o SNS. Como nós sabemos, nos últimos anos o Ministério da Saúde esteve em suborçamentação, e o investimento foi muitas vezes preterido. Nós temos agora a possibilidade de fazer investimento a uma escala muito significativa mas temos de reconfigurar todo o SNS. Para mim é fundamental recorrer às tecnologias de informação, às bases de dados, revisitar todos os processos, ver onde vamos ganhar eficiência e escala, fazer uma gestão de percurso de todos os utentes e colocá-los no centro do SNS, e articular todas as valências, os equipamentos e toda a infraestrutura disponível para termos o máximo de eficiência e sobretudo responder aos problemas das pessoas.

Alguns destes objetivos já estavam plasmados em projetos anteriores à pandemia. De que forma as reformas e os investimentos previstos no PRR se vão articular com instrumentos em curso, assegurando a complementaridade desejada mas sem cair em redundâncias ou duplos financiamentos?

ACS: Essa questão relaciona-se com uma deficiência da nossa administração pública, que também ocorreu, a meu ver, por razões ideológicas. Nós sabemos que a administração pública tem fraca capacidade de planeamento. E muitos serviços de planeamento foram desintegrados e muitas vezes são alocados a empresas contratadas ou sub-contratadas para o fazer, e eu penso que há que recuperar o planeamento estratégico ao nível dos serviços do Estado e ao nível da administração pública. A Saúde é uma excelente área para começar, porque com tudo aquilo que as tecnologias de informação e as tecnologias digitais propiciam hoje, não há razão nenhuma para o país não ter bases de dados extremamente funcionais sobre todos os seus ativos, sobre todas as suas infraestruturas, sobre os recursos humanos, os equipamentos médicos, e fazer uma gestão integrada. Essa gestão passa, a meu ver, pela mudança do modelo que vigorava até aqui. (...)

Leia a entrevista completa na TecnoHospital nº104, mar/abr 2021, dedicado ao tema 'A resposta do SNS à pandemia e os desafios do futuro'

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