Gestão Hospitalar: A problemática do acesso em Saúde - algumas notas

  • 16 dezembro 2016, sexta-feira
  • Gestão

A problemática do acesso em Saúde

Algumas Notas

Paulo Salgado, Administrador Hospitalar

Breve introdução

Na minha opinião, os principais problemas actuais da gestão das unidades de saúde, em particular dos hospitais, estão sempre relacionados com a atenção que é dada ao doente – a que Coriolano Ferreira[1] chamava, significativamente, a defesa do primado do doente – e que resumo:

  1. O acesso aos serviços de saúde – o funcionamento da rede
  2. O papel e a responsabilidade dos diversos prestadores directos e prestadores não directos de cuidados
  3. Capacidade decisória: técnica, humana e gestionária – os médicos em questão
  4. A autonomia dos hospitais
  5. O financiamento e a sustentabilidade financeira
  6. O investimento
  7. A gestão dos equipamentos e instalações
  8. O impacto das novas tecnologias na gestão do conhecimento
  9. A política do medicamento
  10. A interface público-privado
  11. As carreiras profissionais e a formação como factor de enriquecimento profissional
  12. A gestão de serviços – (re) criação dos centros de responsabilidade integrados, eventualmente com novas formulações

No primeiro texto que desenvolvi[2], procurei fixar-me nas três ideias primaciais em torno da visão psico-sócio-antropológica da gestão da saúde, tendo olhado particularmente para a percepção que os doentes têm da sua situação, além de focar o livre-arbítrio e responsabilidade dos profissionais versus o sistema predominantemente contratualista actual, bem como a gestão encarada como actividade partilhada.

Vejamos, agora.

O acesso aos serviços de saúde

Os Relatórios do SNS dos últimos anos, bem como os diversos Relatórios sobre o Acesso aos Cuidados de Saúde da Comissão de Saúde da Assembleia da República, dão-nos a conhecer a situação do acesso aos cuidados de saúde nos seus vários programas, sistemas e áreas. Apresentam-nos, genericamente, uma clara evolução positiva quanto ao acesso.

Na verdade, estes textos proclamam que:

  1. Tem havido um aumento significativo do número de consultas hospitalares, em especial, das primeiras.
  2. Verifica-se um aumento da cirurgia programada, que está incluída no SIGIC, cabendo a maior subida percentual nos hospitais convencionados.
  3. Há uma estabilização do número de atendimentos nos Serviços de Urgência do SNS, ainda que se verifique um certo “entupimento” de serviços de urgência em alguns hospitais.
  4. A cirurgia ambulatória tornou-se uma realidade, uma exigência, um factor de sucesso.
  5. Valoriza-se o empenho colocado em algumas iniciativas nos últimos anos, designadamente o Sistema de Gestão Integrada do Acesso no SNS (SIGA- SNS), o Programa Nacional de Vacinação (PNV), o Programa Nacional de Promoção de Saúde Oral (PNPSO), a Linha Saúde 24, o Sistema de Atribuição de Produtos de Apoio – SAPA, o Projeto de Incentivos à Procriação Medicamente Assistida, o Sistema de Transporte não Urgente de Doentes e o INEM – empenho que tem trazido benefícios sociais significativos. Há, presentemente, sinais de alguns hospitais pretenderem melhorar o acesso, como é o caso da ULSMatosinhos que, face ao aumento da procura de cuidados no SU, iniciou um projecto anunciado como “inovador” que pode vir a aliviar a procura deste serviço.

No entanto, a leitura destes relatórios não invalida, antes exige, uma outra abordagem, crítica, todavia construtiva.

Vejam-se, por exemplo, as posições assumidas publicamente por alguns organismos:

  1. Ordem dos Médicos – vem denunciando a falta de meios humanos e de recursos materiais em diversas unidades hospitalares;
  2. Tribunal de Contas – defende uma reanálise custo-benefício que considere a capacidade instalada do sector público, no sentido de que a celebração dos acordos com as IPSS seja precedida de um levantamento das necessidades do SNS, assegurando os princípios da equidade, complementaridade e da liberdade de escolha dos utentes, da transparência, da igualdade e da concorrência.
  3. Hospitais – vêm sensibilizando o poder político sobre a obsolescência de equipamentos, a quem o Ministério tem respondido, presentemente, com a promessa de investimentos nesta área.

A participação dos cidadãos

Considero que a participação dos cidadãos no acesso é crucial, na medida em que:

1.º Tiverem acesso tempestivo às informações que lhe dizem respeito, de forma que possa agir em favor da sua saúde e da saúde da comunidade.

2.º Forem portadores de literacia em Saúde, definida pela OMS como o conjunto de «competências cognitivas e sociais e a capacidade dos indivíduos para ganharem acesso a compreenderem e usarem informação de formas que promovam e mantenham boa saúde»[3], na qual se devem envolver exercendo uma cidadania activa e participativa.

3.º Estiverem reunidas as cinco dimensões do acesso no nosso SNS: disponibilidade; proximidade; custos; qualidade e aceitação, como referem Furtado e Pereira[4].

Será que estaremos, cada vez mais, perante uma discriminação negativa: só tem acesso a cuidados mais especializados a população com rendimentos, ficando as populações com baixos salários no que se pode designar como um sistema “desnatado” destinado?

Voltarei a este tema do acesso, procurando relacioná-lo com o impacte das medidas previstas no Programa do Governo no Sector da Saúde para 2017 – o que nos obriga, a todos, a (re) pensar o acesso, a atenção à saúde e a circulação dentro do SNS, centrando no doente o debate e as decisões, sempre.

Nota: Paulo Salgado escreve de acordo com a antiga ortografia.

 

[1] Coriolano Ferreira é considerado, com razão, o “pai da administração hospitalar em Portugal”. Esta expressão, tão interessante, eu ouvi-a durante as suas lições no Curso de Administração Hospitalar.

[2] Tecno Hospital n.º 77, Set. / Out. 2016. O Doente e a Gestão da Saúde – Um Primeiro Apontamento.

[4] Furtado, C., Pereira, J. 2010. Equidade e Acesso aos Cuidados de Saúde. ENSP – UNL. Pp. 7-8. Documento de Trabalho. http://www.opss.pt/sites/opss.pt/files/EA1.pdf.

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