Que modelo organizacional para a medicina intensiva? Da visão da conceção à execução

Projetar uma nova área funcional de medicina intensiva está atualmente muito para além do mero cumprimento de recomendações e normas técnicas para esta tipologia de infraestruturas com elevada intensidade de alocação de recursos materiais e humanos.
Já não basta compreender o impacto na qualidade do ambiente em que são prestados os cuidados de saúde, nomeadamente nas dimensões de segurança e melhores práticas clínicas no tratamento dos doentes e de condições de trabalho e de bem-estar proporcionadas aos profissionais. Passa a ser da mais elementar estratégia integrar no plano funcional de cada serviço os princípios organizativos e da atual missão assistencial da medicina intensiva no contexto de todo o circuito do doente crítico enquanto área altamente complexa e diferenciada que impõe uma abordagem integrada e multidisciplinar.
De acordo com os Census 2025 do Colégio da Especialidade de medicina intensiva, o território nacional dispõe de 968 camas de medicina intensiva, 872 das quais ativas. Ainda que continue abaixo da média OCDE 20231 (16,9 camas por 100 mil habitantes) e com assimetrias regionais relevantes do ponto de vista organizativo, observa-se uma evolução francamente positiva, com a convergência do rácio de camas por 100 mil habitantes, que passou de apenas 6,40 para 10,9 entre os anos de 2020 e de 2025.
Não obstante o reconhecido esforço e a bondade dos investimentos executados para requalificação e expansão desta tipologia de áreas de alta dependência, estes ocorreram em circunstâncias muito particulares e fruto de uma inevitabilidade e emergência para responder ao contexto pandémico COVID-19. Daí que não pode ser surpreendente que o Census Medicina Intensiva 20242assinale que a maioria dos Serviços de Medicina Intensiva continua a apresentar constrangimentos estruturais para internamento dos doentes, com reduzidas áreas de internamento individualizado e mantendo limitações funcionais em áreas de apoio, como armazéns, salas de pausa para profissionais ou áreas exclusivas para apoio à família.
Estivemos perante uma oportunidade perdida? Poderia ter sido feito melhor tendo em conta as limitações estruturais previamente existentes e os timings apertados de execução no contexto pandémico da COVID-19? Reconhecemos que não foi uma oportunidade perdida, no entanto admitimos que a pressão de execução limitou a qualidade de projetos realizados. No entanto, a limitação destes projetos não pode condicionar a otimização do modelo assistencial ajustado à missão de cada instituição – isso, sim, será sempre demasiado oneroso.
Conceptualmente, projetamos uma nova área funcional de medicina intensiva assente na adoção de estratégias que permitam conciliar uma resposta adequada ao normal volume de doentes tratados e padrão da casuística, com a capacidade de acomodar situações de emergência de saúde pública potencialmente prolongadas no tempo ou eventos e catástrofes com efeitos súbitos e limitados no tempo e no espaço.
A evolução da arquitetura – física e conceptual – das áreas funcionais da medicina intensiva incorpora cada vez mais elementos estruturais e princípios de plasticidade que normalizam a prática de adaptação a missão em diferentes momentos. Esta plasticidade deve refletir todos os fluxos de circulação – doentes, profissionais, materiais e familiares / visitantes – que garantam a biossegurança e que viabilizem a implementação de áreas de coorte, preferencialmente sem compromisso do normal funcionamento do todo o Serviço de Medicina Intensiva. (...)
Autores: Alexandra Almeida
Assistente Graduada de Anestesiologia
Diretora da Unidade Gestão Doente Crítico - ULSGE
Igor Milet
Assistente Graduado Medicina Intensiva
Departamento Ciências Médicas, Universidade de Aveiro, Portugal
Joana Duarte
Administrador Hospitalar
Gestora Unidade Gestão Doente Crítico - ULSGE
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