Estratégias antivirais para bloquear o vírus da gripe antes da infeção

Uma equipa de investigadores do Centro de Investigação Biomédica (CBR) da Faculdade de Medicina da Universidade Católica Portuguesa está a estudar uma estratégia antiviral capaz de bloquear a replicação do vírus da gripe antes de este infetar as células
“Se a metodologia que estamos a desenvolver funcionar para o vírus da gripe, é possível que funcione também para outros vírus”, afirma Maria João Amorim, investigadora e vice-diretora do Centro de Investigação Biomédica, citada em comunicado da universidade.
A equipa liderada por Maria João Amorim descobriu que o vírus que causa a gripe A – influenza A (VIA ou IAV) – utiliza compartimentos celulares específicos, designados inclusões virais, para montar o seu genoma composto por oito segmentos de ácido ribonucleico (ARN) por um processo seletivo, envolvendo interações inter-segmento RNA-RNA, e de elevadíssima complexidade que, até à data, não é inteiramente claro.
O grupo deu um passo em frente a desvendar este processo ao descobrir que estes compartimentos têm propriedades semelhantes às dos líquidos. Tais propriedades permitem que as moléculas se movam livremente e, desta forma, cada parte do genoma pode encontrar os seus outros sete interatores - um processo essencial para que o vírus se torne infecioso. A partir desta descoberta, os investigadores identificaram que dissolver ou endurecer estes condensados pode impedir a replicação viral.
“Os antivirais que venham a ser desenvolvidos poderão proteger pessoas não vacinadas, reduzir a gravidade da doença em infetados e controlar a propagação de vírus respiratórios e emergentes, reforçando a resposta da saúde pública perante futuros surtos,” explica a também docente da Faculdade de Medicina da Universidade Católica.
Numa altura em que decorre a vacinação contra a gripe - Portugal foi o terceiro país da União Europeia com a maior cobertura de vacinação contra a gripe no último inverno, atingindo uma taxa de 71 %, segundo o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC) - os antivirais podem representar uma segunda linha de defesa indispensável: protegem quem não está vacinado, reduzem a gravidade da infeção em pessoas que desenvolvem doença grave e ajudam a controlar a propagação de vírus que evoluem rapidamente ou que escapam à imunidade conferida pela vacinação.
“As vacinas continuam a ser a principal medida de prevenção, mas nem toda a população está imunizada e os vírus respiratórios evoluem rapidamente. Estas abordagens inovadoras procuram ultrapassar as limitações dos antivirais atuais - como a resistência e o espectro de ação reduzido - com o objetivo de identificar novos alvos virais que permitam desenvolver terapias eficazes contra vários vírus respiratórios,” reforça Maria João Amorim.
A investigadora do CBR salienta também que “existem diversas doenças infeciosas para as quais ainda não há vacinas disponíveis, sendo o tratamento feito com antivirais, como no caso do VIH, Zika, Herpes simplex e vírus hemorrágicos como Nipah, Marburg ou Lassa.” Nestes casos, antivirais eficientes são essenciais para o tratamento e descobri-los é uma prioridade.
“Mini-proteínas” que impedem a entrada do SARS-CoV-2
No âmbito dos projetos de investigação BioPlaTTAR e EvaMOBS, a mesma equipa do CBR da Faculdade de Medicina da Universidade Católica, desta vez num consórcio que junta várias equipas Portuguesas do Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier da Universidade Nova de Lisboa (onde se encontra o coordenador dos projetos Cláudio Soares) e do Gulbenkian Instituto de Medicina Molecular e 8 equipas internacionais de 7 países Europeus, está a desenvolver plataformas versáteis para desenhar moléculas antivirais inspiradas em anticorpos, que bloqueiam a entrada dos vírus nas células. Alguns dos testes iniciais incluem o vírus da gripe A, o SARS-CoV-2, o vírus da dengue, o vírus sincicial respiratório e o vírus Zika.
Os primeiros resultados mostram avanços promissores: no projeto BioPlaTTAR os investigadores já conseguiram desenhar mini-proteínas que impedem a entrada do SARS-CoV-2 nas células. Como próximo passo, Maria João Amorim partilha: “E essencial perceber quais as melhores formas de produzir estas mini-proteínas e qual a toxicidade associada ao seu uso num modelo animal, antes de poder avançar com a realização de ensaios clínicos”.
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