Instalações e Equipamentos em Saúde: rever prioridades?

Fazer qualquer reflexão sobre o tema das Instalações e Equipamentos da Saúde é para mim impossível sem que me venham à memória os livros do Professor Eduardo Caetano. Não porque ainda tenha sido sua aluna, ou sequer porque me tenha alguma vez cruzado com ele. Mas porque foi através dos seus livros, cheios de descrições e esquemas claríssimos que, pela primeira vez, “entrei no hospital”.  

O estudo dos livros de Eduardo Caetano tinha esse poder extraordinário de abrir a porta aos neófitos. Com eles se compreendia a programação das diversas tipologias de serviços de saúde e se aprendia a importância das circulações para o controlo da infeção hospitalar; com eles se imaginavam unidades de internamento organizadas em forma de estrela e se teorizava sobre a possibilidade de os hospitais terem vestiários centralizados; com eles as expressões “adufa ou semelhante”, “quarto do morto” e “palamenta” ganhavam significado.

Estou certa de que muitas dezenas de administradores hospitalares terão idêntica memória e porque preservar o passado é indispensável para “pensar o presente e moldar o futuro”, fica a homenagem ao Professor Eduardo Caetano e, através dele, a todos os engenheiros hospitalares.

Com as exceções que sempre existem, a área das Instalações e Equipamentos em Saúde, materializada, designadamente, nos “Serviços de Instalações e Equipamentos”, não tem feito parte das prioridades das organizações do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Relativamente aos recursos humanos que lhe estão afetos, em muitos casos, evoluiu-se da situação de “equipas do quadro”, relativamente completas em termos de diversidade de competências, para soluções de quase externalização da função. A contratação de “pessoal da ferrugem” e de engenheiros, sempre foi difícil de explicar a quem, tendo a decisão também tem um orçamento curto, e se habituou a transigir com a contratação de prestadores diretos de cuidados, considerando “não imprescindível” todo um outro tipo de necessidades. Aos poucos as equipas técnicas foram emagrecendo, ficando, na melhor das hipóteses, reduzidas a quem assume o planeamento e controlo daquilo que é adquirido a empresas terceiras. As depauperadas equipas dos serviços centrais e regionais são um exemplo deste desinvestimento.

Relativamente à gestão do serviço, pese embora o seu potencial impacto na despesa, o investimento também não terá sido aquele que se aconselhava. Nem em termos de informatização (v.g., cadastro de equipamentos médicos, registo das manutenções preventivas e corretivas, gestão do material de armazém) e de disponibilização de licenças para os softwares de trabalho; nem em termos de formação contínua dos técnicos e de generalização da adesão a processos melhoria contínua da qualidade. Longe da vista, as áreas técnicas são, frequentemente, relegadas em termos de atenção (inclusivamente, com riscos para a segurança).

Relativamente às próprias áreas funcionais que estão sob a sua alçada, a realidade mostra uma geometria variável em que sobressaem responsabilidades crescentes sem reforço de meios. Claro que destes serviços dependem a conservação de edifícios, de equipamentos, e de instalações técnicas especiais, o acompanhamento de obras ou a gestão de contratos de manutenção. Outros setores, como a gestão de parques e jardins, de zonas de estacionamento, da frota automóvel ou o acompanhamento de contratos de fornecimento de água, eletricidade e comunicações, por exemplo, podem depender dos Serviços de Instalações e Equipamentos como das áreas da hotelaria ou do aprovisionamento. Mais recentemente, o acompanhamento do Plano Estratégico de Baixo Carbono e do Programa de Eficiência Energética na Administração Pública entraram na agenda destes serviços. A resposta tem sido exemplar, mas os recursos são constantes e, certamente, algo está a deixar de ser feito.  

Ora, uma maior atenção à “função instalações e equipamentos da saúde” poderá trazer soluções para alguns dos problemas com que o SNS se confronta, em termos de eficiência e qualidade.

Os Planos Diretores

Comecemos pelos Planos Diretores. Quantas instituições do SNS têm um Plano Diretor? Se houvesse um Plano Diretor do Centro Hospitalar de S. João, EPE certos aspetos de discussões como a do “Joãozinho” não seriam evitáveis? Não poderíamos eliminar a ineficiente apreciação casuística dos pedidos de investimento em instalações e equipamentos? Não dificultaríamos a arbitrariedade?  Os documentos de planeamento, representando um esforço inicial ao qual estão associados custos, não são uma panaceia para todos os males, mas racionalizam a decisão e a utilização dos dinheiros públicos.

Consideremos também a manutenção das instalações técnicas especiais e dos equipamentos médicos. Quantos “casos” e efetivas perturbações no normal funcionamento dos serviços não se evitariam se a climatização estivesse enquadrada em contratações de serviços mais bem desenhadas e acompanhadas? Quantos utentes não teriam ficado menos exasperados por não conseguirem fazer uma chamada telefónica para o seu centro de saúde? Quantos exames não deixariam de ser adiados se o controlo dos equipamentos fosse realizado adequadamente? Certamente que por detrás destes constrangimentos emerge, frequentemente, a sombra do sub-financiamento; mas todos sabemos que o problema é mais vasto e está ligado à definição de prioridades e à organização.

Consideremos, por fim, a relevância do cumprimento de regras construtivas para o controlo da infeção hospitalar, da monitorização dos consumos de água ou eletricidade para a eficiência energética, da certificação do processo de manutenção de equipamentos biomédicos para a segurança dos doentes e dos profissionais; ou, mais prosaicamente, consideremos a relevância de, enquanto utentes, nos confrontarmos com um hospital sem sinalética, de paredes esmurradas e onde todos os relógios estão parados, contra a alternativa de caminhar por um outro onde não somos agredidos pela degradação. Será que a desatenção a estes aspetos é uma inevitabilidade?

Estes são apenas alguns exemplos de como o contributo da “função das instalações e equipamentos da saúde” pode trazer mudanças positivas no sistema para utentes, profissionais, financiadores e cidadãos. Eles realçam que o SNS não se faz só com os saberes dos médicos e dos gestores, que não se faz só com terapêuticas e atos de saúde. Há evidência de que existe uma associação positiva entre o “ambiente físico” das unidades de saúde e quer os resultados em saúde atingidos pelos doentes, quer os níveis de desempenho e satisfação dos profissionais (Ulrich et al., 200 (1). Não considerar estes resultados é prescindir de prestar os melhores cuidados possíveis aos utentes do SNS. E é preciso ter isto bem presente ao moldar o futuro.

(1) UlrichR, Quan X, Zimring C, Joseph A, Choudhary R. 2004. The Role of the Physical Environment in the Hospital of the 21st Century: A Once-in-a-Lifetime Opportunity. The Center for Health Design.

Marta Temido, Ministra da Saúde, Mestre em Gestão e Economia da Saúde. 

Em 1998 foi admitida na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), onde se especializou em Administração Hospitalar. Estagiou nos Hospitais da Universidade de Coimbra, onde começou a trabalhar como assessora do Conselho de Administração. Passou depois pelo Hospital de Cantanhede e ajudou a instalar o Centro Hospitalar de Vila Real/Peso da Régua. Depois de uma passagem por Aveiro, regressou a Coimbra, pertencendo agora ao IPO do Porto. Concluiu o Doutoramento Instituto de Higiene e Medicina Tropical da UNL e presidiu à Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH) entre 2013 e 2015, ano em que foi nomeada Presidente do Conselho Diretivo da ACSS.

À data da redação deste artigo, Marta Temido desempenhava as funções de Subdiretora do Instituto de Higiene e Medicina Tropical.

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