Entrevista a Filipe Froes

  • 24 dezembro 2020, quinta-feira
  • Gestão

Para o pneumologista Filipe Froes, a Saúde nunca pode ser encarada como um custo mas como um investimento. O também coordenador do gabinete de crise da Ordem dos Médicos considera que a pandemia de gripe A já devia ter dado o alerta para a necessidade de robustecer o SNS. Uma valorização dos serviços que, para o médico, deve ser acompanhada da valorização da educação e do conhecimento.

Entrevista por Fernando Barbosa, Durão Carvalho e Cátia Vilaça

Fale-nos um pouco do seu percurso.

Eu nasci em 1961, e quando se deu o 25 de Abril estava no primeiro ano do liceu, depois do ciclo preparatório e o equivalente ao atual ao 7º ano. Entrei para a Faculdade em 1979, e não tinha qualquer consciência política antes desta altura, mas uma das primeiras noções que tive neste meu processo de crescimento foi a importância da liberdade e a importância do conhecimento. Rapidamente percebi que a pior ditadura é a ditadura que nos impede de sermos livres, de decidirmos por nós e de pensarmos pela nossa cabeça. Uma das coisas que eu constatei na minha formação académica e já na faculdade, foi que o 25 de Abril, dos múltiplos impactos que teve na vida de todos nós, representou uma grande abertura de mentalidades e de pensamento. Em poucos anos tive oportunidade de conviver com pessoas que, de um momento para o outro, tiveram acesso a informação, a conhecimento, outras formas de fazer o que se fazia antigamente, outros livros, outras culturas, e isso é um dos bens mais preciosos que nós podemos ter: liberdade de pensar, de agir, de conhecer, e de decidirmos nós o futuro da nossa vida. Eu entrei para a faculdade, numa coincidência muito grande, no ano em que se fundou o Serviço Nacional de Saúde, e tive oportunidade de viver e de acompanhar, aí sim, já de muito perto, como estudante universitário da Faculdade de Medicina e depois como médico do Serviço Nacional de Saúde, todo o desenvolvimento, e sobretudo toda a importância que o Serviço Nacional de Saúde teve no Portugal de hoje. Um dos fatores mais importantes do desenvolvimento social e económico do Portugal de hoje deve-se, sem qualquer dúvida, ao Serviço Nacional de Saúde, que permitiu, de uma forma muito corajosa no início, mas muito legítima, a criação de um serviço universal, diferenciado e de excelência, que foi ao encontro das necessidades da população de uma forma justa e equitativa na promoção da saúde, na prevenção da doença e na promoção do desenvolvimento individual e social. Eu tenho um orgulho enorme em ter trabalhado no Serviço Nacional de Saúde, ter feito parte desta miríade de diferentes profissionais que o constituem e ter contribuído de uma forma tão decisiva para o desenvolvimento da nossa população, dos nossos cidadãos e do nosso país.

Essa sua opinião sobre o Serviço Nacional de Saúde leva-o a pensar que foi eficaz e respondeu bem a esta pandemia de COVID-19?

Eu diria que nós atingimos o esplendor do Serviço Nacional de Saúde na primeira década deste século. Há 10 anos provavelmente não sabíamos, mas vivíamos a década de ouro do Serviço Nacional de Saúde porque depois de 2008/ 2009 houve todo um conjunto de transformações que a meu ver vão ser penalizadoras. Há dois exemplos que, a meu ver, condicionaram muito o atual estado do Serviço Nacional de Saúde: a crise económica, com um desvio enorme das decisões para uma perspetiva economicista, e complementada e baseada neste pendor economicista, a criação dos grandes centros hospitalares. Não que não pudessem ser equacionados, mas foram feitos sem planeamento, sem avaliação e sem monitorização. Outro aspeto essencial foi o fim da dedicação exclusiva e o fim das carreiras médicas. Estes aspetos fragilizaram muito o Serviço Nacional de Saúde. Por outras palavras, a criação dos grandes centros hospitalares e a perda da importância das carreiras médicas foram decisivos na incapacidade de reter, captar e fixar as novas gerações, os futuros especialistas do Serviço Nacional de Saúde, e criaram um vazio, uma perda de proximidade. É precisamente esse vazio assistencial que vai sendo ocupado pelo setor privado em prejuízo do Serviço Nacional de Saúde. Quando nós entrámos para esta pandemia, na minha perspetiva o Serviço Nacional de Saúde já se encontrava numa situação extremamente fragilizada, e mesmo numa situação de grande limitação de recursos técnicos e humanos, a pandemia veio documentar o mais importante: a resposta foi dada pelo Serviço Nacional de Saúde. Se dúvidas houvesse sobre a importância de um Serviço Nacional de Saúde forte, a pandemia dissipou-as. E se dúvidas houvesse sobre a importância do elemento mais decisivo no Serviço Nacional de Saúde, que são os seus recursos humanos, a pandemia dissipou-as igualmente. A pandemia vem confirmar o que nós já sabíamos, que é a importância de um Serviço Nacional de Saúde forte, diferenciado e de proximidade, cuja força assenta no reconhecimento, na valorização e no empenho dos seus profissionais de saúde. Nós podemos ver um exemplo concreto do que estou a dizer. A maior potência do mundo são os Estados Unidos da América, que não tem um Serviço Nacional de Saúde. É também, provavelmente, um dos países onde, pela desorganização, descontrolo, falta de liderança, a pandemia vai ter um dos impactos maiores. Os Estados Unidos têm uma resposta de saúde muito pior do que a de um país como Portugal em termos de atividade assistencial, e em termos, sobretudo, de acesso da população à saúde. O acesso da população à saúde, condicionado muitas vezes pelo pagamento das despesas hospitalares, foi de tal maneira determinante que justifica o alto impacto da pandemia nos Estados Unidos, as elevadas taxas de morbilidade e o profundo impacto económico. A maior potência do mundo demonstrou a importância de um Serviço Nacional de Saúde forte e diferenciado, assente no reconhecimento e na valorização dos seus profissionais. (...)

Leia a entrevista completa na TecnoHospital nº102, nov/dez 2020

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