Entrevista a Fernando Araújo, Secretário de Estado da Saúde

Fernando Araújo elenca as principais prioridades do XXI Governo Constitucional para a área da Saúde, com especial enfoque na rede de cuidados continuados integrados e na promoção de medidas de Saúde Pública. As mais recentes reivindicações de algumas classes profissionais não ficaram de fora da conversa, com o Secretário de Estado a reconhecer também o papel importante dos engenheiros e arquitetos da Saúde (menos numerosos e, portanto, com menos capacidade de reivindicação) no SNS.

Entrevista conduzida por Fernando Barbosa e Cátia Vilaça

Texto e fotografia por Cátia Vilaça

 

O que nos pode dizer sobre a sua passagem pela Ordem dos Médicos? Foi uma experiência grata?

Foi muito grata. Nós em Portugal temos falta de algumas organizações da sociedade civil nas várias vertentes, seja em termos de sociedades, Ordens e outro tipo de agrupamentos, que possam de alguma forma ajudar a refletir e a discutir, e ajudar também o poder político a tomar decisões fundamentadas. Eu revejo sempre com enorme prazer a minha passagem pela Ordem e tento sempre estimular, onde estou, a constituição de organizações da sociedade civil e de ONG, mais ou menos profissionalizadas, ou mais ou menos ligadas aos utentes, mas que estimulem a reflexão, a discussão, e que sejam dinâmicas. Essas entidades devem exigir-nos trabalho e tempo, que de alguma forma façam aquele escrutínio público que é preciso para nós melhorarmos a nossa ação.

A sua carreira de médico foi feita sempre no Hospital de S. João?

Do ponto de vista hospitalar foi sempre no S. João. Foi lá que me formei e tirei a especialidade, e lá comecei o meu percurso de especialista de Imuno-hemoterapia. Geri primeiro uma unidade pequena dentro do serviço e depois acabei por gerir o serviço. Geri também o departamento, mas creio que esse é o percurso normal de quem se dedica com alguma motivação à instituição onde trabalha, e felizmente temos muitos profissionais assim no SNS. O que nós fazemos, em funções de gestão, de atendimento dos doentes ou de investigação, fazemos sempre com o máximo empenho, e isso é que é relevante.

Na área da investigação, em que é que trabalhou particularmente?

Trabalhei muito na área da Genética ligada ao sangue, que é a minha área de especialidade, e foi nesse contexto que o grupo de investigação no qual me inseria publicou inúmeros artigos, tendo partido daí a minha base para o doutoramento. A investigação abrangeu também os vírus do HIV e Hepatite C.

No Ministério da Saúde, quais são as áreas que lhe estão delegadas?

Há três áreas que eu considero fundamentais: a primeira é a reforma dos cuidados primários, ou seja, a continuação da reforma. Os cuidados primários são a base do SNS e cada vez temos de lhes dar mais força, mais capacidade de ação, e portanto essa é uma área à qual dedico boa parte do tempo. A outra é a reforma dos Cuidados Continuados Integrados, que é uma área ainda em franco desenvolvimento. Estamos longe de concluir a rede [Nacional de Cuidados Continuados Integrados], mas trata-se de um avanço desejado por todos, quer nas suas componentes mais clássicas, como a Saúde Mental ou Pediatria, quer em termos de Programas de Saúde.

Nós trabalhamos muito as questões do relacionamento com profissionais e dos procedimentos concursais, mas temos de trabalhar acima de tudo com Programas de Saúde, de modo a que se consiga, nessas áreas, por todos os intervenientes a falar – Cuidados Primários, Continuados, Hospitalares e Convencionados - todos focados no utente, de modo a conseguir ganhos de Saúde. Poder juntar as peças e obter resultados no final é o tipo de ação que mais me realiza.

Nesse contexto, há medidas em preparação?

Nós temos atuado em todos os programas de consideramos prioritários: o da Alimentação Saudável e da Saúde Mental, com uma aposta cada vez maior na comunidade e na comunicação com os Cuidados Primários e com os Cuidados Continuados e Integrados. Este ano iniciou-se, aliás, o primeiro projeto-piloto nessa área. Temos tido um conjunto de iniciativas conducentes à descentralização, através da realização de exames nos cuidados primários e da possibilidade de haver ligação entre as duas áreas para conseguir mais ganhos para os utentes. Temos também uma estratégia para erradicar a Hepatite C até 2030. São programas de Saúde para os quais, para termos uma estratégia, vamos ter de juntar tudo o que o SNS produz.

Em matéria de Saúde Mental havia até um défice de camas…

Na Saúde Mental, a lógica é termos cada vez menos camas. A aposta tem ido muito no sentido de uma menor lotação dos hospitais psiquiátricos, que devem ser muito especializados. Devemos ter internamento em hospitais centrais, mas a grande aposta é conseguirmos que os serviços de Saúde Mental saiam dos hospitais e vão para a comunidade: para os cuidados primários, para a parte domiciliária. Há seguramente patologias e ocasiões que requerem internamento, mas a Saúde Mental atualmente faz-se na sociedade e fora das paredes dos hospitais. Continua a fazer falta cuidados específicos, por exemplo em Pedopsiquiatria, uma especialidade que necessita de mais camas, e em Lisboa abriu-se já uma unidade nesse sentido, mas a ideia é trazer os doentes para fora das paredes dos hospitais.

E também alguma sensibilização junto do público, atendendo ao estigma?

É um pouco por aí. Pretendemos retirar o estigma e tornar muitos desses doentes agentes ativos da sociedade. Se bem enquadrados, podem ter autonomia e não estarem dependentes, podem trabalhar em alguns projetos que ajudem na sua integração na sociedade.

Dentro da Saúde Mental, o Hospital Sobral Cid no qual trabalhei durante quase 35 anos está, em termos físicos, a degradar-se, quando antes da sua integração no CHUC era uma zona arborizada e bem tratada onde os doentes circulavam e tinham condições para serem tratados com dignidade. Por outro lado, os doentes foram sendo entregues a IPSS e a privados,  e o Hospital só ainda não fechou porque vão restando os inimputáveis perigosos, que têm de estar à ordem do tribunal e aqueles que têm problemas de adição. Funcionam ainda alguns serviços de Hospital de Dia, violência familiar, terapia ocupacional. Em contrapartida, o CHUC tem apenas umas poucas dezenas de camas para internamento de agudos em Psiquiatria e um espaço interior e exterior reduzidos. Qual a sua opinião sobre esta situação?

No conjunto das opções políticas, a Saúde Mental por vezes é menos valorizada porque os utentes não têm muita capacidade de organização e de pressão, ao contrário de outras áreas e de outras patologias, e as próprias famílias têm por vezes alguma vergonha do processo. Daí que seja responsabilidade do Estado obrigar-se a si próprio a colocar a Saúde Mental como uma das suas prioridades. Eu comungo da questão de que por vezes não é dada atenção adequada à Saúde Mental, e penso que podemos atender a esta área de forma muito mais particular e com muito mais empenho.

O plano que referiu prevê uma descentralização de recursos e prestação desses cuidados através de serviços sociais e locais criados nos hospitais gerais. Que avaliação é que faz da forma como isso tem sido implementado?

Concordo plenamente com o objetivo de trabalharmos nesse contexto. No entanto, temos tido velocidades diferentes e se calhar ritmos também diferentes nessa pequena revolução, porque é preciso também haver meios para podermos ter serviços que possam crescer. No entanto, os locais onde estive apresentam excelentes resultados.  Em Santa Maria da Feira não havia serviço de Saúde Mental. O serviço foi criado, aos poucos, e agora é um serviço extremamente ativo, dinâmico e respeitado na área de Entre Douro e Vouga. As pessoas antigamente tinham de vir para o Magalhães Lemos [no Porto] para uma consulta e agora conseguem ter uma resposta local.

Uma das funções da Secretaria de Estado é licenciar e organizar o funcionamento dos estabelecimentos termais. Para isso tem de ter apoios técnicos que possam servir de suporte. Esses apoios existem? Os serviços centrais do Estado estão hoje muito desprovidos de pessoas ligadas às instalações e equipamentos de Saúde.

Neste caso dos estabelecimentos termais é a DGS, através da Divisão de Saúde Ambiental, que fornece o apoio técnico. Pontualmente, recorre-se também aos serviços da ACSS em termos de gestão de processo. Para esta área, a experiência que existe é suficiente.

A Reforma dos Cuidados de Saúde Continuados Integrados começou em 2006. Era um plano a ser gerido em conjunto pela Saúde e Segurança Social. Qual é a componente da Saúde nessa reforma?

É paritária. Há áreas em que o papel da Saúde é  preponderante, por exemplo em unidades de convalescença. Já nas unidades de longa duração a parte da Segurança Social tem mais peso. Olhando para a rede como um todo eu diria que nós trabalhamos em conjunto, de forma articulada, para conseguir bons resultados. A ideia da rede [RNCCI] era retirar muitos destes doentes dos hospitais e evitar a sua ida para casa numa fase precoce, onde se pode ter uma capacidade de recuperação muito elevada. É o caso da convalescença média e até da longa. Os recursos que lá estão alocados, como fisioterapia, terapia da fala ou terapia ocupacional, com apoio médico e de enfermagem diferenciado, têm um custo muito mais baixo do que nos hospitais e conseguem recuperações extremamente eficientes. No passado, os doentes ficavam mais tempo nos hospitais, sujeitos a infeções nosocomiais, e quando saíam acabavam por ir para casa com o apoio de convencionados mas o ritmo e intensidade da recuperação não eram os mesmos. Esta rede veio trazer essa mais-valia e portanto é uma área em que continuamos a tentar crescer todos os anos, até atingirmos o patamar delineado quando a rede foi construída há 10 anos: 14 mil camas e acima de tudo equipas no terreno que cubram a parte dos domicílios.

O Estado está a idealizar algum programa no sentido de dar resposta à questão das demências? É uma área muito entregue às ERPI, que não dispõem da competência técnica suficiente.

Face ao envelhecimento da população, prevê-se que esse venha a ser um problema de Saúde Pública face à sua dimensão futura. Temos tentado iniciar esse caminho e cortar algumas etapas, havendo inclusivamente um grupo a trabalhar nesse sentido. Foi feito um relatório, entretanto colocado à discussão pública e que se encontra a ser fechado, para criar um conjunto de respostas, desde o diagnóstico precoce e o acompanhamento em fase inicial nos cuidados primários, às respostas em sede de Segurança Social e autarquias, que aqui têm um papel muito relevante. Nós temos muitos doentes em ERPI que por vezes não têm a resposta de Saúde mais adequada. É um problema que nos preocupa e para o qual estamos a delinear uma estratégia.

Voltando ao programa dos Cuidados de Saúde Primários, já há um plano de ação para este período de 2016 a 2019, que inclui um plano de formação para os cuidadores. Como é que isso vai funcionar?

Nós temos no nosso país, em termos de rede, muitos cuidadores informais (familiares, vizinhos) que acabam por não ter a formação adequada nem o acompanhamento necessário. Também aqui há um relatório que está a ser terminado agora e vai ser colocado em discussão pública, feito pela área da Saúde, conjuntamente com a Segurança Social, e que irá elencar um conjunto de medidas no sentido de fortalecer os cuidadores informais. Essas medidas passam por uma melhor formação, explicando por exemplo de que forma o doente acamado pode ser mudado e como pode ser feita a sua higiene. Podem parecer coisas simples, mas para quem está nessa situação e não tem conhecimentos é um desafio enorme. Por outro lado, pode ser criado um conjunto de benefícios ligados ao trabalho e à parte fiscal para estimular quem tem essa responsabilidade. Não faz muito sentido que quem coloca o familiar numa ERPI possa incluir essa despesa em IRS e quem tem o familiar em casa, com todo o trabalho associado a isso, não o possa fazer.

As Unidades de Saúde Familiar (USF) tiveram início em 2006 e em abril de 2016 já havia 450. Esse número continua a crescer?

O Governo tem o objetivo de criar 100 USF durante esta legislatura. No ano passado foram criadas 30 USF e este ano estamos a desenvolver esforços para criar outras 30, de modo a ultrapassar os próprios objetivos delineados. Consideramos que as USF são fundamentais, funcionando com profissionais disponíveis para serem avaliados e abraçarem um projeto comum, para dar uma resposta integrada às pessoas. Quando vamos ao terreno nota-se, pelo lado dos profissionais de saúde, uma enorme satisfação pelo facto de poderem associar-se e gerir toda a sua carteira de serviços. Mas acima de tudo, a satisfação é grande do lado dos utentes, que têm uma equipa que os conhece bem a cuidar deles. Quando um médico está de baixa ou de férias, o utente sabe que os outros vão substituí-lo, o que significa ter uma resposta na mesma unidade.

Mesmo assim ainda há portugueses que não têm médico de família…

É possível que até ao final da legislatura consigamos finalmente alcançar a meta que parecia impossível - dar um médico e um enfermeiro de família a todos os portugueses. Quando começámos, no final de 2015, havia cerca de 1,2 milhões de pessoas sem médico de família, e terminámos o ano passado com cerca de 800 mil utentes nessa situação. Este ano, o concurso de médicos de família acabou há pouco tempo, pelo que vão agora começar a ser alocados. É expectável que possamos, no final deste ano, ter menos 500 mil utentes sem médico de família, embora haja também a questão das aposentações a ter em conta.

Em termos económicos, isso é sustentável?

Não só é sustentável como desejável. Nós gastamos muito menos dinheiro se tivermos uma resposta nos cuidados primários. Dou o exemplo da diabetes. Se o doente for seguido com enfermeiro, com médico e em alguns casos com podologista, consegue manter a sua doença muito mais estável e evitar internamentos, urgências, problemas oftalmológicos, neurológicos e renais, que são muito mais dispendiosos. A taxa de hemodiálise em Portugal é muito superior à média europeia, fruto da diabetes e da hipertensão, o que tem custos muito elevados e coloca muita pressão na questão dos transplantes. Portugal até é um dos países com uma das mais elevadas taxas de transplante feito por mil habitantes, mas apesar desta resposta temos muitos pedidos, porque não temos controlado as doenças de base desde o início. Se não for feita uma aposta séria nos cuidados primários, o SNS terá muitas dificuldades no futuro em conseguir dinheiro para transplantes e para tratamentos diferenciados. Eu diria até que importa começar antes dos cuidados primários, ou seja, evitar as doenças. Isso passa por apostar nas políticas de alimentação saudável, de exercício físico, na prevenção tabágica, porque se não fizermos algo para evitar este crescimento grande de algumas patologias, dentro de alguns anos não teremos capacidade de resposta. Voltando à diabetes, o relatório da OCDE que vai ser publicado brevemente mostra que Portugal é o país da Europa que tem uma maior prevalência de diabetes – 10 por cento dos portugueses tem a doença. O impacto que isso tem no SNS a curto, médio e longo prazo é extremamente pesado. Só em fármacos anti-diabéticos e afins gastamos mais de 200 milhões de euros. Evitar isto passa muito pela educação, por medidas para evitar o aparecimento deste tipo de patologias que depois teremos de seguir. Temos também um em cada cinco cidadãos hipertensos e um em cada dois é obeso ou tem excesso de peso, e isto é uma tríade que tem de ser alterada.

O portal do SNS permite já marcar consultas mas tem poucos inscritos. Quais as melhorias que podem ser introduzidas nesse serviço, que neste momento abrange cerca de 25 por cento dos utentes?

Essa é uma área inovadora, e apesar de se pensar que são poucos, eu diria que são muitos mais do que se poderia prever no passado. Vejamos o caso da receita desmaterializada. Se nos dissessem, quando entrámos em funções, há dois anos, que neste momento teríamos 100 por cento da prescrição médica eletrónica e um número muito elevado de receitas totalmente desmaterializadas eu não acreditaria. A verdade é que em dois anos foi feita uma pequena revolução. As pessoas têm tido uma abertura e uma disponibilidade muito grandes para aderir a estas questões. Tem havido um crescimento muito interessante à medida que vamos lá colocando mais particularidades, mais serviços e mais respostas. Quando se compara com outros países europeus, o ritmo de adesão tem sido muito favorável, o que nos deixa extremamente orgulhosos. Vamos passar agora para uma fase de desmaterialização dos Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica, de modo a que o utente não tenha depois de ir buscar o raio-x ou as análises ao local onde os fez ou marcar uma consulta para os levar.

Em relação aos MCDT, há condições para ter esta desmaterialização feita até ao final da legislatura?

Vamos ver. Nós estamos agora com experiências em Barcelos, Ermesinde e no Centro Hospitalar do Porto. As unidades nos centros convencionados têm aderido de uma forma muito fácil. Há três ou cinco anos não havia essa capacidade, portanto é expectável que, com o fim destas experiências-piloto, estas questões tenham um crescimento muito rápido. Se até ao final da legislatura vamos concluir não tenho a certeza, mas teremos uma enorme fatia dessa desmaterialização efetuada. Com estas medidas, reduz-se a duplicação de exames, repercutindo-se este aspeto também na redução da despesa inapropriada.

Em relação às cirurgias, os utentes em lista de espera há mais tempo irão ser contactados por um serviço do SNS. Como é que este serviço vai funcionar e que consequências isto pode trazer para a organização interna dos hospitais?

Quando o utente ultrapassa os prazos máximos recebe um vale cirurgia para poder ir a unidades convencionadas fazer a sua cirurgia. Aqui a questão é podermos gerir muito mais facilmente este processo. Em vez de o doente receber o vale, é contactado de forma muito mais precoce, podendo falar com alguém que possa orientá-lo. Nós temos utentes que recebem o documento em casa e não sabem muito bem o que hão de fazer, têm receio, e por vezes preferem ficar no hospital onde estão, mesmo que tenham de esperar mais tempo, porque têm mais confiança na equipa. Ter um contacto do lado do SNS que esclareça dúvidas e ajude a resolver problemas não traz impacto na gestão dos processos e trará seguramente benefícios às pessoas.

Na opinião pública, aparentemente houve uma compreensão inicial das reivindicações de alguns grupos, nomeadamente dos enfermeiros, que passaram a ideia de não serem devidamente compensados por terem uma especialidade. Depois as pessoas começaram a achar que um acréscimo de 400 euros era demasiado. De que forma é possível adequar estas exigências ao OE2018?

A resposta passa por negociarmos e discutirmos. Nós reconhecemos a mais-valia da diferenciação para todos, e temos de ter também aqui algum bom senso relativamente ao que podemos fazer e ao ritmo do que podemos fazer. Nós temos de perceber muito bem quais são as questões mais relevantes para cada grupo profissional. Os sindicatos também não sabem muito bem qual é o limite do ponto de vista orçamental, e no meio disso é necessário encontrar um meio termo que permita alguma regularização de pessoas que ao longo de vários anos acabaram por não ter essa resposta da parte do Estado. Simultaneamente, essa retificação tem de ser feita de uma forma sustentável para que não ponha em causa nem o Orçamento da Saúde nem o do país. Acho que é nesse clima de diálogo e de compreensão mútua que vamos encontrar soluções.

Acha possível acomodar os tais 400 euros?

Acho possível encontrar soluções que sejam sustentáveis. Naturalmente os sindicatos tendem sempre a fazer valer as posições dos profissionais, e nós tentamos fazer valer as posições do Estado. Pensamos que encontraremos no meio da discussão soluções que sejam adequadas e que de alguma forma respondam às ambições das pessoas mas que não coloquem em causa a sustentabilidade do SNS.

No SNS não há só enfermeiros, médicos e técnicos de diagnóstico e terapêutica. Isso pode ser uma situação que venha depois a repercutir-se nos outros profissionais…

Por isso é que essa negociação tem de ser muito equilibrada e ponderada. Para além das questões salariais, também temos de ter verbas no SNS para os equipamentos, e nós temos muitos equipamentos em fase final de vida útil, portanto temos de ter capacidade de apostar na própria renovação e requalificação, e apostar até na criação de outros serviços para os utentes

É uma área complexa mas é possível chegar a bom termo. Quando se fala com os profissionais, independentemente de tudo, eles defendem muito o SNS, defendem muito a sua profissão e fazem-no com muita paixão, e quando é assim eu acho que é possível conseguir boas respostas para todos.

Não existe uma carreira específica na área da engenharia e da arquitetura em Saúde. Há alguns profissionais dessa área que são técnicos superiores de Saúde, e portanto sentem-se sempre um pouco desapoiados e segregados, porque os grupos profissionais com muita gente são ouvidos porque fazem muito barulho, e aqueles grupos vão sendo esvaídos de conteúdo, de locais de trabalho e de remuneração. Não o preocupa também a situação destes profissionais?

A importância não se mede pelo número de pessoas mas pelo valor que trazem para o SNS. Os engenheiros, os arquitetos e outras profissões ligadas a esta questão das obras e dos equipamentos são fundamentais e reúnem uma competência e um conhecimento que não podemos esquecer. Podemos ter excelentes médicos e enfermeiros, mas se todo o processo que está no meio não funcionar não adianta. Tentamos, portanto, não desproteger esses profissionais, bem pelo contrário, tentamos ao máximo motivá-los.

A ATEHP fez uma proposta ao atual ministro no sentido de colaborar na elaboração de uma carta de equipamentos de saúde, dado haver muito equipamento já com grande deterioração que precisa de ser substituído. Essa colaboração pode ser útil ao Ministério?

Essa área não está sob a minha alçada mas sob a do Dr. Manuel Delgado [Secretário de Estado da Saúde]. No entanto, é uma área que considero fundamental porque é muito específica, muito técnica, e portanto quando se fala em estudos para perceber em que fase se encontra esse tipo de equipamento podemos ter necessidade de técnicos e vocês poderão ser um parceiro indispensável nessa reflexão.

A descentralização é uma intenção do Governo mas tem vindo a ser adiada. O que está previsto fazer-se para que o centralismo de Lisboa (e do Porto) seja uma realidade cada vez menos sentida?

É uma das prioridades do Governo. A discussão foi iniciada de uma forma muito mais operacional no início deste ano, depois teve de ser interrompida por causa das eleições autárquicas, e agora vai ser retomada em força. Há aqui um conjunto de competências das várias áreas da Governação, incluindo a Saúde, que nós queremos muito que sejam transferidas para as autarquias. Na área da Saúde, está em causa a manutenção dos edifícios dos cuidados primários, edifícios com menos exigências do ponto de vista técnico, mas também o transporte dos doentes. São áreas em que as autarquias podem ter um papel muito relevante.

Perante a crescente dívida da Saúde aos fornecedores e o elevado sub-financiamento dos hospitais e ARS, com reflexo na falta de produtos, materiais e consumíveis, como pensa o Governo reverter esta situação?

Eu não leio essa questão da falta de recursos, consumíveis e produtos no SNS. Nós temos situações pontuais que têm a ver com concursos que ficam por vezes parados e entregas fora de tempo, mas não tenho essa noção catastrófica de uma falta generalizada de meios. Reconheço é a dívida a fornecedores, e temos estado a trabalhar, com o Ministério das Finanças, num plano para conseguir reduzi-la. Ao longo dos anos, tem havido injeções de capital extraordinárias, e este ano também irá ser assim, de modo que até ao fim do ano o objetivo é ficarmos com uma dívida igual à que tínhamos no final de 2016, sendo certo que para 2018 irá haver um plano especial de recuperação dessa dívida que também está a ser trabalhado com as Finanças. Não acho que haja essa falta de consumíveis ou de meios, e isso tem sido suprido por vezes à custa dos próprios fornecedores mas a ideia é reduzir essa dívida para garantir melhores preços junto dos fornecedores desse tipo de equipamento e de material.

Quais os próximos objectivos da sua Secretaria de Estado?

As reformas já referidas irão continuar e são áreas prioritárias nas quais vamos continuar a apostar. No entanto, a grande aposta é nas áreas da Saúde Pública em termos de prevenção. A questão do sedentarismo e dos programas de atividade física terá, em 2018, um enorme desenvolvimento. Nós temos maus indicadores a nível internacional e temos de apostar muito na promoção da Alimentação Saudável. Nos próximos tempos haverá algumas atividades e medidas de combate à obesidade, nomeadamente a obesidade infantil. Estas questões não têm, seguramente, impacto neste ano ou no próximo mas terão impacto daqui a 10 ou 15 anos, o que é fundamental para a qualidade de vida dos portugueses mas também para assegurar a sustentabilidade do SNS. Há pouco tempo o INE mostrou que nós voltámos a aumentar a esperança média de vida. No entanto, estamos na cauda da Europa em termos de anos de vida saudáveis. A única forma de evitar isso é seguramente através da promoção, ao longo da vida, de comportamentos saudáveis, adaptados a cada uma das pessoas, e cada um de nós tem de ser um agente ativo nessa mudança de comportamentos.

Fernando Araújo é doutorado em Medicina e especialista em Imuno-hemoterapia. Exerceu ainda responsabilidades ao nível da gestão intermédia e da gestão de topo, como adjunto da Direção Clínica do Hospital de São João, gestor dos projetos do Saúde XXI do Hospital de São João e Presidente da Comissão de Avaliação Clínica dos Sistemas de Informação do Hospital de São João, entre outros cargos. Presidiu ao Colégio de Imuno-hemoterapia da Ordem dos Médicos e ao Conselho Diretivo da ARS-Norte. É Secretário de Estado Adjunto e da Saúde do XXI Governo Constitucional.

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