Entrevista a Manuel Delgado, Secretário de Estado da Saúde

Entrevista por Abraão Ribeiro e Fernando Barbosa

Texto e fotografia por Cátia Vilaça

O Secretário de Estado da Saúde falou à Tecnohospital sobre os desafios da Gestão Hospitalar, sobre as consequências do desmantelamento da DGIES e também sobre o modelo de funcionamento da ADSE. Relembra que as Parcerias Público-Privadas estão em fase de avaliação e só após esse processo estar concluído será possível definir o futuro da gestão dessas unidades de saúde.

Uma parte importante do seu percurso foi o exercício do cargo de presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH) durante 16 anos. O que pode dizer sobre esse período?

Fui presidente da APAH de 1992 até 2008. Iniciei funções numa época muito diferente da atual, porventura mais favorável para os administradores hospitalares. A Associação estava moribunda e o pouco que então se fizesse seria sempre um êxito. E assim foi, com a angariação de apoios de diversas entidades que nos ajudaram a dar visibilidade à APAH, aos seus associados e à “nova” profissão.

Eu nunca perspetivei a APAH como uma organização sindical ao serviço dos associados, mas como uma forma de valorizar a função. Valorizou-se o desempenho dos administradores e o seu próprio conhecimento através de ações que lhes permitiam refrescar conhecimentos e competências e contactar com outras realidades lá fora. A APAH prestigiou-se a nível também internacional e fui convidado para me candidatar à presidência da Associação Europeia de Diretores de Hospitais, cargo que ocupei durante quatro anos (entre 2002 e 2006).

Depois desses anos à frente da associação, deve ter sentido algum incómodo em relação à não utilização de pessoas formadas especificamente em Administração ou Gestão Hospitalar, e a sua substituição, em muitos casos, por pessoas sem formação nessa área…

É incómodo e é frustrante. Nos estatutos da associação estava não só a incumbência de prestigiar os administradores como também de fazer com que a sua carreira fosse cumprida. É preciso não esquecer que os administradores hospitalares têm, embora hoje só no papel, uma carreira, com formas de progressão específicas, que prevê que atinjam os lugares mais importantes na gestão dos hospitais. Quando o estatuto dos hospitais mudou (em 1987/88) os lugares nos conselhos de administração passaram a ser ocupados por livre e discricionária escolha dos ministros. O administrador hospitalar de carreira deixou de ter assento, por inerência de funções, no conselho. Hoje em dia, com a criação da CRESAP, as escolhas são condicionadas por esta entidade.

A certa altura, chegou a haver um engenheiro nos conselhos…

Exatamente. Isso deixou de existir e, a partir dessa altura, qualquer cargo para membro do Conselho de Administração passou a ser uma competência discricionária dos governos. Se me perguntarem se essa decisão foi correta, eu diria que não. Era importante, e este Governo está a tentar retomar essa filosofia, que tivéssemos nas administrações dos hospitais pessoas com competências próprias para o desempenho destes lugares.

Como diz, com competência reconhecida e não boys…

Eu estou num cargo político e portanto sei bem do que falo. A pressão é muito grande, e não é fácil tornar estes lugares asséticos do ponto de vista político, mas este governo está empenhado em optar por pessoas com um perfil mínimo de reconhecimento, de competência, de valores, de ética, de responsabilidade. E também outro fator importante: nestes cargos não podemos aceitar uma pessoa que esteja em “part-time”. Não é aceitável o preenchimento de um lugar destes (aliás a própria legislação não o permite) com o exercício simultâneo de outras funções. Claro que quando se toca no perfil médico, isto é mais difícil de conseguir. Muitos médicos atuam simultaneamente no público e no privado. Tem havido um desinteresse pelo desempenho dos cargos mais importantes dentro dos hospitais. Esse desinteresse nasce da exigência de não acumulação com outras funções de natureza privada ou até pública. O problema é que não é possível pagar remunerações em exclusividade de forma idêntica ao que um profissional prestigiado pode auferir nas suas múltiplas atividades. Este é o drama que muitas vezes se coloca quando desafiamos pessoas competentes a desempenhar cargos desta natureza. Na área não médica, é mais fácil encontrarmos profissionais de qualidade e nós estamos apostados em manter esta linha de orientação.

Na área da engenharia sentimos que o facto de os administradores hospitalares estarem nos órgãos de topo dos hospitais, distribuindo-se por áreas, serve para “controlar” o responsável pelas Instalações e Equipamentos. É um efeito por vezes perverso porque a direção de serviços técnicos pode ser feita por qualquer pessoa com bom senso, mas se for conhecedor da matéria tanto melhor.  

Os modelos hoje mais desenvolvidos na Gestão Hospitalar têm um órgão de topo, que faz a gestão estratégica e toma as grandes decisões na organização, tendo simultaneamente um papel de representação no exterior da instituição. É esse órgão que vai negociar os contratos-programa junto da tutela, e portanto faz a junção de todos os interesses do coletivo e traça um caminho para a instituição. O problema é que as instituições são geralmente de grande dimensão, e ainda por cima assistimos, nos últimos anos, a um processo de fusões em série, por sinal pouco avaliadas.

Este governo tem alguma intenção de avaliar a continuidade desse processo?

Não vamos avaliar agora esse processo porque não tem retorno. Vale a pena aproveitar as sinergias que ainda é possível retirar dessas fusões porque o facto é que não se exploraram todas as potencialidades. Estes processos de fusão tiveram na origem o interesse do legislador e do político em reduzir custos e aumentar a eficiência. Se ligarmos um hospital a outro ou outros hospitais, a ideia é ganhar escala e centralizar duplicações ou redundâncias, nos MCDT, na gestão de recursos humanos, financeiros, hoteleiros, etc. Tais processos de racionalização encontram sempre múltiplas resistências, até de natureza legal, o que tem impedido retirar todos os benefícios possíveis.

Ao criarmos estas megaestruturas, surge a necessidade de criar níveis intermédios de gestão, e colocar nessas posições pessoas que façam uma gestão mais próxima dos acontecimentos. O conselho de administração não tem capacidade de apreender todos os problemas que ocorrem nos níveis operacionais. No entanto, coloca-se depois a questão do modelo de formatação destas áreas. Vamos criá-las a partir de que conceitos de organização? Se optarmos por modelos de divisão do trabalho exclusivamente técnicos - o modelo tradicional da divisão por especialidades médicas e cirúrgicas – temos uma organização pulverizada, com muitos serviços, cada um com a sua autonomia, os seus horários, o seu ritmo e as suas idiossincrasias. E, repare-se, com um impacto hostil para os doentes, que se veem espartilhados entre consultas diferentes, profissionais em momentos diferentes, etc.

Se avançarmos para modelos funcionais, ligados às doenças, por exemplo, associamos as diferentes especialidades no mesmo Departamento ou área de atividade, criando multidisciplinaridade, complementaridade funcional e um contínuo de cuidados, mais cómodo, eficaz e adequado aos problemas dos doentes. A lógica é criar uma coerência técnica e uma coerência de serviço face à comunidade. Por exemplo, um departamento de Oncologia com todas as valências médicas e cirúrgicas existentes na unidade mas com pessoas que só se dediquem à Oncologia. Isto significa criar áreas de atividade ou de negócio mais abrangentes, de dimensão maior, que tenham afinidades de natureza clínica e respondam às necessidades do próprio utente. É evidente que em algumas áreas de natureza logística há um problema de sobreposição entre a gestão e a tarefa do engenheiro hospitalar. Percebo que possa haver aqui margens de conflitualidade. O engenheiro hospitalar é responsável técnico, o gestor hospitalar tem de fazer a gestão na perspetiva dos utilizadores, bem como da parte económica e financeira. Não é fácil, muitas vezes, perceber que as competências de cada um devem ser respeitadas e articuladas. Às vezes há sobreposições, e aqui é evidente que há sempre margem para alguns conflitos, mas é uma questão de se trabalhar melhor isto e chegar a uma boa solução.

Há um assunto que nos tem preocupado, nomeadamente as competências que se extinguiram com o desmantelamento da Direção-Geral das Instalações e Equipamentos de Saúde. Havia um saber acumulado que vinha da Direção-Geral das Construções Hospitalares, depois passou para a DGIES, o que tinha algumas vantagens pelo facto de esta estrutura estar ligada ao Ministério da Saúde [a anterior estava afeta ao Ministério das Obras Públicas]. Desde há cerca de 10 anos para cá, as funções normativas, de fiscalização e de apoio ao Ministério da Saúde perderam-se. O arquiteto que faz hotéis e outros empreendimentos também projeta hospitais.

Toca num assunto importante e eu concordo com a ideia de termos um suporte técnico normativo na área das Instalações e Equipamentos, que se perdeu com as transformações estruturais ocorridas ao nível do funcionamento do Ministério da Saúde. Admito que pudesse funcionar melhor, pois estava excessivamente burocratizado e travava muitas vezes aquilo que devia acelerar. No entanto, tomou-se uma decisão reativa e radical, quando o que devia ser feito era corrigir erros e manter a estrutura do ponto de vista funcional. Em resultado, hoje em dia cada hospital e cada serviço puxa para seu lado, e muitas vezes os projetos não têm condições para ser aprovados, pois tecnicamente não estão bem concebidos. Os erros às vezes até são grosseiros e caricatos, e obrigam a deitar abaixo e refazer a obra. O projeto não é validado em inspeção, tudo por falta de conhecimentos específicos de engenharia hospitalar por parte de pessoas cujas competências como engenheiros ou arquitetos não estão em causa, mas sim a sua falta de preparação na área específica da Saúde.

Fazem o que encomenda quem lhes paga…

Isso leva a que estejamos sempre a externalizar para gabinetes privados dinheiro, ações e atividade que podia ser internalizada no Ministério da Saúde. Não tenho dúvidas de que foi um erro de perspetiva a atitude que se tomou de acabar com a DGIES. Se me perguntarem se a DGIES é recuperável, direi que é difícil. No Ministério, estamos a tentar recriar, junto da ACSS, um gabinete forte nesta área das Instalações e Equipamentos, para satisfazer situações que nos surgem diariamente.

Um dos serviços por si tutelados é o Serviço de Utilização Comum dos Hospitais (SUCH). Quais as alterações sofridas por esta entidade?

Eu diria que foram alterações sobretudo de natureza formal, de estatuto. Agora o SUCH é menos autónomo, uma vez que é tutelado também pelo Ministério das Finanças. Claro que isso aperta um pouco o cerco à liberdade de atuação do SUCH, mas aumenta a capacidade de controlo sobre a sua atividade.

Ainda assim, consegue o SUCH desempenhar um efetivo papel de moderador de mercado?

Todos percebemos que o SUCH vai encontrar problemas crescentes no mercado da manutenção de equipamentos, fruto de uma resposta alternativa que as grandes marcas dão, logo em sede de contrato de compra e venda.

Sabemos também que o SUCH tem desenvolvido a sua ação para áreas inovadoras com grande futuro e mantém serviços de qualidade em áreas tradicionais como o tratamento de roupas e a produção de refeições.

A competitividade do SUCH nos tempos de resposta, na qualidade de serviços que presta e nos preços que pratica, continuará a ser o principal desafio num mercado volátil e muito agressivo.

Por outro lado, a administração do SUCH também foi reduzida de cinco para três elementos. Significa isso que haverá uma entrega de competências e responsabilidades, descentralizando regionalmente?

Eu não queria aqui ser muito categórico mas admito que nalguns aspetos a descentralização das competências pode fazer sentido e criar benefícios aos interlocutores de natureza local.

Os hospitais normalmente preferem um apoio do SUCH regionalizado, de proximidade, e têm alguma dificuldade em aceitar que tudo seja tratado a nível central.

Vamos ver como é que o novo conselho de administração atua. Não me parece que haja necessidade de integrar mais de três pessoas. Ao nível regional, devem depois existir estruturas com alguma competência e autonomia de decisão.

Em cima da mesa está também a reforma da ADSE.

A ADSE nasce em 1963 na sequência da constatação de que os funcionários públicos eram mais mal pagos do que os privados. O Estado achou por bem dar um benefício adicional aos funcionários públicos, não em dinheiro mas com este serviço. Inicialmente, a ADSE era até suportada inteiramente pelo Estado, não havendo nenhum desconto dos funcionários. Essa ideia do desconto foi introduzida mais tarde e depois atualizada, situando-se hoje nos 3,5 por cento. Há quem diga que é exagerado mas se verificarmos as contas constatamos que a folga é muito pequena e a sustentabilidade do modelo muito precária a médio prazo.

A grande diferença é que na ADSE um funcionário desconta em função do que aufere mensalmente, independentemente dos riscos que comporta, ao contrário de um seguro comercial, em que o prémio varia consoante os riscos de cada pessoa.

Ou seja, na ADSE paga-se em função do que se ganha e os benefícios são iguais para todos; nos seguros comerciais, paga-se em função dos nossos riscos individuais e os benefícios são diferentes, consoante o regime acordado.

Note-se, assim, que na ADSE, como noutros subsistemas, há uma solidariedade interna entre os beneficiários (pagam mais os que mais ganham em benefício dos que mais precisam), ao contrário dos seguros comerciais, em que a avaliação dos riscos individuais define o prémio a pagar e, no limite, a exclusão do acesso.

Circula nos jornais a informação de que a ADSE tem gerado superavits

Tem gerado pequenos superavits mas é preciso ter em conta o que aí vem em termos de envelhecimento da sua própria carteira de clientes. Se nós não fizermos nada daqui a cinco anos voltamos a ter problemas de sustentabilidade na ADSE, porque os beneficiários são pessoas em faixas etárias de maior consumo. Se olharmos para o contingente de beneficiários da ADSE e para a sua evolução, que não é de crescimento mas de uma certa diminuição, e para a conta da despesa que a ADSE todos os anos paga, as subidas são significativas – as despesas com saúde sobem, em média, 10 por cento ao ano.

Não terá também a ver com o facto de o funcionário público que vai a uma consulta num hospital público pagar um determinado valor pela taxa moderadora e exames, enquanto que se for ao privado paga quase metade?

Isso está errado e nós estamos a tentar, com a ADSE, criar um mecanismo que aproxime as taxas moderadoras nos dois locais para evitar essa discrepância. Mas há aqui um problema técnico. Quando a ADSE foi feita não havia SNS. A ideia de um SNS geral, universal e gratuito não existia em 1963. Nessa altura, a Saúde em Portugal como serviço público era para pobres, que não pagavam nada – os indigentes, que apresentavam atestado de pobreza. Havia depois as Caixas de Previdência de diferentes classes profissionais, mas os funcionários públicos não tinham nada, portanto o Estado resolveu, com o recurso aos impostos, criar uma estrutura de apoio na Saúde para os seus trabalhadores. Hoje em dia a situação mudou radicalmente do ponto de vista estrutural porque temos um SNS geral, universal e tendencialmente gratuito. Nestas condições, o cidadão, seja ele funcionário público ou não, tem sempre acesso a cuidados de saúde, pelo que há quem defenda que a prerrogativa de que a ADSE deixou de fazer sentido. Mas há quem diga que continua a fazer, porque muitas vezes a ida ao serviço público implica tempos de espera muito longos, ou por uma consulta, ou por uma cirurgia, ou até às vezes para o internamento. O que a ADSE hoje dá é considerado um complemento que se acrescenta ao benefício básico que qualquer cidadão tem. A ADSE hoje, na perspetiva correta de análise, é um upgrade face ao acesso a cuidados de saúde básicos, que todos temos. Se um cidadão não quer esperar dois meses pela consulta de Oftalmologia, vai ao oftalmologista privado convencionado com a ADSE, paga muito pouco e tem a consulta logo no dia seguinte. A ADSE é hoje um benefício acrescentado ao valor do SNS, pelo que há quem defenda, inclusivamente, que não deve ser financiada pelo Estado, devendo as quotizações dos seus aderentes ser a única forma de financiamento. Hoje, quem define o valor de 3,5 por cento é o Estado mas num sistema gerido pelos próprios funcionários públicos, estes participarão na definição da contribuição. Até 2011, quando um beneficiário ia a um hospital público, mostrava o cartão e o funcionário administrativo debitava a fatura à ADSE. Hoje isso é proibido, porque se considera que o acesso ao hospital público é um direito de cidadania, que é pago com os nossos impostos e, portanto, ninguém tem de invocar a ADSE para ter acesso ao SNS. Nessa altura, os hospitais e o Ministério da Saúde deixaram de ter as receitas que correspondiam aos pagamentos da ADSE. Agora, se a pessoa for a um privado e quiser ter a consulta mais depressa, aí invoca o seu direito a ter acesso através da ADSE. 

No futuro, a perspetiva não é a de acabar com a ADSE, nem privatizá-la – será, tendencialmente, passá-la para a gestão dos próprios beneficiários, ainda que com a supervisão do Estado, tendo em conta que o seu financiamento também é exclusivamente feito por eles. Isto é, o Estado não se considera obrigado, nem considera lógico, estar a suportar um serviço adicional de saúde quando já oferece a toda a gente um serviço básico de saúde. Até seria iníquo o Estado, aos seus funcionários, oferecer mais do que oferece aos outros cidadãos. Aquela lógica de que a ADSE é um benefício que o Estado criou para acrescentar valor aos salários baixos dos funcionários públicos faria vencimento nos anos 60, porque não havia SNS, mas hoje não faz. É aliás, este o sentido das propostas da Comissão de Reforma da ADSE, no seu Relatório Final de 28 de junho de 2016.

Sobre as Parcerias Público-Privadas, tem havido ao longo dos anos diversos modelos. Como será o futuro?

Há uma decisão tomada por um governo socialista e que se vai manter. Não vamos construir novos hospitais em parceria de gestão. Vamos, provavelmente, manter a parceria para a componente de construção (apenas), envolvendo também os equipamentos pesados.

A pergunta que se coloca é o que vai acontecer às parcerias existentes, e temos neste momento quatro: Vila Franca de Xira, Loures, Cascais e Braga. No nosso horizonte legislativo, terá de ser este governo a analisar o fim do primeiro ciclo de 10 anos. O governo acordou com os seus parceiros um compromisso de avaliação de resultados. Se se comprovar que a gestão destes hospitais correspondeu a um valor acrescentado face a uma gestão pública direta, eventualmente as parcerias continuarão. Se essa avaliação não for conclusiva ou for negativa, então aí cessam imediatamente as parcerias. Estamos a avaliar a primeira parceria, que é a de Cascais, e vamos ver como é que o processo termina. Estamos obviamente preparados para os diferentes cenários: continuar com a parceria ou voltar a abrir um concurso público para novos candidatos, ou então fazer a reversão para a gestão direta do Estado, mas isso é um assunto em aberto. O que o governo não quer é passar a ideia de que tem um preconceito com as PPP. Não temos nenhum preconceito, aliás os parceiros que apoiam o governo sabem bem qual é a nossa posição. Não é uma posição ideológica, é uma posição técnica e ao serviço dos cidadãos. Se nós concluirmos, em termos de eficiência e em termos de resultados clínicos, que as parcerias são melhores, continuamos. Se concluirmos o contrário, acabamos. A análise será feita sempre caso a caso.

Parece que estamos todo de acordo que o SNS é uma das grandes conquistas do pós-25 de abril. Há, por vezes, receio de que não seja sustentável. Do ponto de vista do Sr. Secretário de Estado, o que haverá que fazer para não por em causa essa sustentabilidade? Considera que é uma conquista de facto tão grande que não há hipótese de a reverter?

Começando pelo fim, eu acho que não há nenhuma hipótese de a reverter. Os portugueses não perdoariam a um governo que tentasse desmantelar o SNS. Esta foi, talvez, a conquista mais sólida que tivemos desde o 25 de abril. A Saúde é um bem de mérito para os cidadãos. A partir de 1979, com a nacionalização de muitos hospitais de misericórdias, com a construção de hospitais públicos e a sua gestão direta e a nacionalização da propriedade e da gestão dos serviços de saúde, o acesso explodiu. Nós éramos um país em que os partos sem assistência médica andavam na ordem dos 70 por cento e os partos no domicílio representavam cerca de 80 por cento. Em meia dúzia de anos, invertemos a lógica e hoje em dia temos a situação contrária. Não há quase parto nenhum que não se faça em hospital, com assistência obstétrica e com neonatalogista, o que não acontece em muitos países europeus. É preciso ter em conta que países mais ricos do que nós não têm a mesma diferenciação técnica garantida no acesso da grávida no momento do parto. O SNS é uma grande conquista, e é uma conquista com provas dadas. Os indicadores de saúde melhoraram extraordinariamente. Na taxa de mortalidade infantil, estamos nos primeiros lugares a nível mundial. Em termos de vacinação a mesma coisa. O nosso plano de vacinação é muito mais avançado do que o dos EUA, por exemplo.

Tudo aponta para que mexer no modelo do SNS seja um erro trágico e qualquer governo que tentasse fazer isso iria sofrer as consequências.

Eu não sou favorável à ideia de se desenvolver o privado para depois cada um escolher onde vai e o que consome, pagando depois o Estado. Esta ideia de a pessoa escolher onde quer ir e consumir o que quiser é uma ideia muito perigosa em Saúde, já que estamos num território em que há aquilo a que tecnicamente se chama informação assimétrica. No privado, o sentido do negócio faz com que se induzam consumos inúteis. O excesso de liberalismo em mercados de saúde é perigoso para a despesa. A despesa tende a aumentar e os benefícios não são proporcionais a esse aumento. Aliás, se olharmos para uma estatística mundial sobre sistemas de saúde, a conclusão a que chegamos é que os sistemas que vivem muito mais baseados no papel do Estado e de um serviço público são os mais económicos e os que têm melhores resultados.

Agora, isso não invalida considerarmos importante o desenvolvimento de um setor privado tecnicamente bem preparado, profissionalizado e autónomo face ao SNS. Mas sempre num papel supletivo do Serviço Público, de acesso livre para beneficiários de subsistemas complementares ou de pessoas que possuam seguros de saúde ou tenham disponibilidade para pagar os cuidados que recebem. Esta liberdade de movimentos está enraizada na sociedade portuguesa e não devemos impedi-la, só que devidamente regulamentada e exercida de forma ética e transparente para todos os agentes do setor.

Manuel Delgado nasceu em Luanda em 1952. Licenciou-se em Economia em Lisboa e formou-se em Administração Hospitalar na Escola de Saúde Pública. Trabalhou no Hospital de S. José e depois regressou à ENSP, como professor, onde esteve em exclusividade entre 1985 e 1988. Integrou a I Comissão Instaladora do Hospital de S. Francisco Xavier, o primeiro a abrir em Lisboa depois do Hospital de Santa Maria. Passou novamente pela ENSP antes de começar a trabalhar no Hospital Miguel Bombarda como administrador.

Foi administrador-delegado no Centro Hospitalar Capuchos-Desterro e Presidente dos Conselhos de Administração dos Hospitais Pulido Valente e Curry Cabral.

Em 2010 foi convidado para dirigir a IASIST, empresa de origem espanhola ligada à avaliação dos hospitais, onde esteve até 2015, quando foi convidado para integrar o XXI Governo Constitucional nas funções de Secretário de Estado da Saúde.

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