Entrevista a João Pedroso de Lima, Presidente do Colégio de Especialidade de Medicina Nuclear da OM

João Pedroso de Lima dá-nos a conhecer o serviço de Medicina Nuclear do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, o trabalho aqui desenvolvido e a lógica de partilha de conhecimento e recursos implementada entre este e outros serviços, bem como a ligação ao Instituto de Ciências Nucleares Aplicadas à Saúde – ICNAS. Dá a sua perspetiva acerca da reorganização que deu origem ao atual modelo de gestão dos hospitais de Coimbra e considera a descentralização da gestão um caminho fundamental.

Entrevista por Fernando Barbosa, Carlos Pinto dos Santos, Victor Pais e Abraão Ribeiro

Texto e fotografia por Cátia Vilaça

Neste momento o Professor é responsável não só pela parte de Medicina Nuclear mas também por outros serviços, integrados na UGI-MCDT- Unidade Intermédia de Gestão de Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica do CHUC. Quer-nos descrever esses serviços?

À medida que o Serviço de Medicina Nuclear se foi desenvolvendo, a partir de 1992, com novos equipamentos, foram também formados novos especialistas. Em 2005 o Sr. Prof. Agostinho de Almeida Santos convidou-me a assumir a Direção Clínica dos HUC. A partir daí o Serviço ficou entregue a outros colegas. Quando saí da Direção Clínica assumi novamente as funções de Direção do Serviço. O hospital entretanto também se modificou porque deixou de ser Entidade do setor público administrativo para ser uma Entidade Pública Empresarial (E.P.E). Os estatutos modificaram-se e foram criadas as Unidades de Gestão Integrada (AGI) que mais tarde passaram a chamar-se Unidades de Gestão Intermédia (UGI). Eu fui convidado para dirigir a AGI de meios complementares de diagnóstico e terapêutica (MCDT), que agrega vários serviços – Radiologia,?Medicina Nuclear, Radioterapia, Patologia?Clínica, Medicina Física, o Serviço de Sangue e Medicina Transfusional e o Serviço de Anatomia Patológica. É?quase um hospital dentro do Hospital. São 726 funcionários e um orçamento?anual de cerca de 40 milhões de euros. É uma pena que a intenção da criação destas Unidades de Gestão Intermédia não esteja ainda a ser vivida de uma maneira muito intensa. Na realidade, há ainda uma centralização muito grande das decisões, que não acontece só no Conselho de Administração mas também nos próprios Ministérios da Saúde e das Finanças. Isso dificulta a proximidade desejável com a gestão dos Serviços de ação médica. O Diretor da UGI acaba, por isso, por não ter um papel tão importante como poderia ter. Essa descentralização poderá vir a acontecer no futuro mas para já existe uma grande limitação da nossa capacidade de ação.

Está prevista alguma alteração dessas dinâmicas em função da mudança na tutela?

É uma expectativa que temos. Se a situação do país for melhorando, talvez isso venha a acontecer, aliás eu acho que não há outro caminho. Essa alteração tornou-se ainda mais premente com a fusão dos vários hospitais. Se não houver mecanismos de descentralização da gestão este enorme Centro Hospitalar torna-se ingovernável. Eu penso que não há outro caminho, custe a quem custar, que não seja o da descentralização da gestão e da descentralização da responsabilidade. Não se trata só de descentralizar a gestão, também é preciso responsabilizar as pessoas e dar-lhes instrumentos para poderem fazer uma gestão de proximidade, ao mesmo tempo que são chamadas à responsabilidade da utilização correta desses instrumentos. Quando há 25 anos estagiei nos Estados Unidos, verifiquei um rigor muito grande na gestão hospitalar, ao ponto de um Serviço de Ortopedia ter sido obrigado a fechar as portas por ter sido excedido o seu orçamento. Eu não estava nada habituado a isso, pois, nessa altura, aqui em Portugal, havia sempre maneira de resolver esses problemas, à portuguesa, muitas vezes à custa de orçamentos retificativos... Embora hoje isso se sinta menos, ainda vivemos um pouco na ideia de que tudo se pode ter na Saúde sem que haja custos a suportar e orçamentos a respeitar… Um dos nossos principais problemas, para além da falta de organização, é também um défice de autoridade e de disciplina. É preciso que as cadeias hierárquicas funcionem, e eu procuro respeitá-las sempre. Por outro lado, há uma grande diferença entre ser-se médico a tempo inteiro e exclusivamente dedicado ao SEU hospital ou ser-se médico em tempo partilhado com outros locais de trabalho. Há situações em que se é médico lá e se está lá, e há outras em que apenas se passa por lá… Se o diretor de um serviço não está presente não pode exercer adequadamente a sua função de direção. Por isso é que eu sou um adepto da separação de águas. O que é privado é privado, o que é público é público. Sou, por princípio, contra soluções híbridas. Desde que fui nomeado diretor de serviço, em 1992, que estou em regime de exclusividade, acumulando apenas com a Universidade. As três vertentes que procuramos desenvolver aqui no Serviço são a assistencial, a investigação e o ensino, embora naturalmente se privilegie a vertente assistencial. No entanto, uma ligação à Universidade é fundamental. Um exemplo disso é a forte ligação que temos à Faculdade de Medicina e ao Instituto de Ciências Nucleares Aplicadas à Saúde (ICNAS), que é um organismo autónomo da Universidade de Coimbra ligado às ciências nucleares mas mais orientado para a área da investigação básica. A partir do momento em que foi celebrado o Protocolo de Colaboração entre o Hospital e a Universidade, em 2011, a minha preocupação e a da atual Diretora do Serviço de Medicina Nuclear do CHUC, Dra. Gracinda Costa, foi fazer com que esta colaboração fosse o mais eficaz possível. Com a ajuda do Serviço de Instalações e Equipamentos e do Serviço de Informática do CHUC, foi instalada uma fibra ótica que nos liga diretamente ao ICNAS. Em qualquer momento, podemos ver aqui online os exames que lá estão a ser feitos. Essa possibilidade de, imediatamente, poder estudar os exames que lá são feitos é fundamental. Existe também uma forte colaboração pessoal. Os nossos médicos executam lá técnicas que não podem ser feitas aqui no Hospital, uma vez que o ICNAS dispõe de equipamentos com características únicas no País. Existe um ciclotrão que produz isótopos radioativos que só podem ser utilizados nas instalações do ICNAS devido aos seus tempos muito curtos de semi-vida físico. Há médicos do CHUC a fazer esses exames e a relatá-los, com vantagens para todos. Esta sinergia na utilização dos recursos técnicos e humanos das duas instituições, que experimentamos diariamente na área assistencial, no ensino e na investigação, é fundamental.

No ICNAS produzem-se radiofármacos,  os únicos produzidos no país…

O radiofármaco mais utilizado em Tomografia por Emissão de Positrões (PET) é a fluordesoxiglicose (FDG-F18), um análogo da glicose marcado com flúor-18, que é agora produzido no ICNAS. Também é produzido noutros locais mas há uma molécula própria do ICNAS que é agora distribuída por todos os Centros nacionais. Durante muitos anos, quando ainda não havia ciclotrão no ICNAS, utilizávamos para PET radiofármacos provenientes de Madrid. Entretanto, passou a haver um ciclotrão privado no Porto e outro público, aqui em Coimbra. Estes locais de produção têm até, entre si, um acordo de backup: quando um avaria, o outro faz a suplência do que falhou. Em termos nacionais somos agora autónomos no que diz respeito a FDG-F18. No entanto há muitos outros radiofármacos, marcados com outras substâncias radioativas, unicamente produzidas no ICNAS. Por exemplo, há doentes com doença de Alzheimer que têm de vir de todo o país a Coimbra, ao ICNAS, para fazer certos exames, porque a substância que permite esses estudos, além de só ser produzida no ICNAS, tem um tempo de semi-vida de apenas 20 minutos. Há uma grande diversidade de radiofármacos a serem produzidos no ICNAS. Nós recorríamos aqui no Hospital a um exame de medicina nuclear convencional para o estudo de tumores neuroendócrinos, por sinal até bastante caro. Apareceu entretanto um outro exame PET, bastante mais eficaz e com menos custos, mas que só pode ser executado nas instalações do ICNAS. Todos esses doentes deixaram de fazer o exame no hospital e passaram a fazê-lo no ICNAS, com vantagem para o doente, porque é mais bem estudado, vantagem para o hospital, porque o seu custo unitário é menor, e vantagem para a formação dos nossos médicos internos, porque podem aprender a utilizar técnicas mais sofisticadas. Isto é só um exemplo porque vários outros desta natureza poderiam ser referidos. Eu considero esta ligação ao ICNAS profundamente vantajosa porque se estão a potenciar os recursos técnicos e humanos de ambas as instituições. Coimbra tem condições excelentes no que diz respeito à área da Saúde e deve ser um exemplo para todo o país. Para isso, é preciso lançar pontes entre as Instituições da cidade, como nós já estamos a fazer desde há alguns anos, na prática diária da medicina nuclear do CHUC e do ICNAS. É também importante que cada um de nós se consciencialize de que, se ao seu nível de intervenção individual, der o seu máximo, estará a contribuir significativamente para um avanço não só da sua área profissional específica mas também da sua cidade e do seu país. O que muitas vezes acontece é que acabamos por privilegiar os nossos egoísmos e eu sempre fui contrário a isso. Desde que assumi a direção de serviço que procurei estabelecer colaborações com outros, como aconteceu com a Cardiologia, a Endocrinologia, a Patologia Clínica, a Reumatologia, a Radiologia e o ICNAS. Por vezes, partilhando mesmo instalações ou equipamentos. Por exemplo: quando o equipamento PET-CT foi instalado no nosso Serviço de Medicina Nuclear, em 2005, a TAC do PET-CT era a melhor do hospital. O diretor do serviço de Radiologia, Prof. Caseiro Alves, pediu-nos, então, para utilizar a TAC durante uma manhã por semana, para fazer colonoscopias virtuais, o que se veio a verificar durante vários meses. Este posicionamento não é, infelizmente, muito frequente. As pessoas, muitas vezes, têm tendência a dificultar a utilização do seu espaço, dos seus equipamentos, e de partilhar os seus conhecimentos. Mas tudo vai evoluindo e, curiosamente, os equipamentos que há uns anos eram específicos da Medicina Nuclear ou da Radiologia encontram-se agora, por vezes, acoplados entre si, constituindo o que se chama de equipamentos híbridos. Atualmente já não há nenhum equipamento PET que não tenha uma TAC incorporada, ou seja, um PET-CT. Isto obriga a uma colaboração estreita entre os nuclearistas e os radiologistas de modo a tirar o máximo proveito de ambos os equipamentos e a dar a cada doente que é neles estudado o máximo de informação que cada um dos exames , PET e TAC, pode fornecer. E fazer passar a mensagem de que uma colaboração estreita entre nuclearistas e radiologistas é hoje fundamental? Não é fácil, porque as pressões corporativas das duas especialidades exercem a sua influência. Como presidente do Colégio de Medicina Nuclear da Ordem dos Médicos, procurarei encontrar o melhor caminho para que se estabeleçam as bases de uma colaboração estreita entre as duas especialidades, nomeadamente através de programas de formação específica que sejam adequados à realidade atual.  

Quais são os principais problemas que a Medicina Nuclear permite resolver e quais são os principais equipamentos utilizados nesta especialidade?

Poderia dizer-se, de um modo muito esquemático e simplista, que a medicina nuclear está para a radiologia como a fisiologia está para a anatomia. A medicina nuclear estuda o metabolismo e a função, enquanto que a radiologia estuda sobretudo a estrutura e a morfologia. Por que será importante estudar a maneira como os órgãos funcionam, o metabolismo, as alterações que se verificam ao nível molecular? Porque, em situações de doença, as alterações metabólicas são anteriores às alterações estruturais. Portanto, temos, com as nossas técnicas, a capacidade de detetar precocemente doenças. A medicina nuclear apresenta uma excelente capacidade para deteção de alterações a nível molecular. Nós podemos detetar alterações na concentração das substâncias que vão além do nanomolar. No entanto, a resolução espacial dos nossos exames é muito pobre. A TAC e a Ressonância Magnética têm, neste aspeto da resolução espacial, uma grande vantagem sobre a medicina nuclear. No entanto, com os equipamentos híbridos combina-se o melhor destes dois mundos: da medicina nuclear e da radiologia. Nos equipamentos híbridos conseguimos conjugar numa única imagem a informação funcional proveniente da medicina nuclear e a informação anatómica proveniente da radiologia. É esse co-registo da informação funcional sobre a informação anatómica que constitui um dos principais desenvolvimentos atuais da medicina nuclear, paralelamente ao desenvolvimento de novos radiofármacos. Há centenas de radiofármacos, talvez milhares, que?permitem estudar um sem número de processos metabólicos que constituem a bioquímica humana. Muitos deles são já usados em aplicação clínica e outros encontram-se em fase de investigação. A evolução da Medicina Nuclear tem sido feita nestas duas vertentes: por?um lado no desenvolvimento de novas moléculas marcadas radioativamente, e por?outro, no desenvolvimento dos equipamentos que permitem detetar a localização espacial e temporal dessas moléculas no organismo. A medicina nuclear é, portanto,  um método excelente para a avaliação das alterações metabólicas. As neoplasias malignas têm, de uma forma geral, uma grande necessidade de açúcar para se desenvolverem. Ao usar um análogo de um açúcar, a fluordesoxiglicose, marcado com um emissor de positrões, o Fluor 18, podemos detetar pequeninas concentrações de cancro. Às vezes, se a atividade metabólica dessas lesões é bastante intensa para concentrarem bastante produto radioativo, conseguimos detetar lesões tão pequenas que ainda não são detetáveis por técnicas radiológicas. Mas, lá está: para localizar melhor essas lesões convém ter o mapeamento anatómico que a TAC nos vai dar quando incorporada em equipamentos híbridos.

Esta crescente capacidade de fazer exames é criticada até por alguns médicos, porque há um excesso de exames radiológicos feitos às pessoas, além de que cada médico que prescreve um exame não sabe qual a dose de radiação a que o doente já foi sujeito. Há quem diga até que esse excesso de exames vem a detetar situações em fase embrionária que, provavelmente, não iriam criar problemas nenhuns àquele doente que, contudo, vai sofrer as consequências dos exames e dos tratamentos. Qual é a opinião de um especialista nesta área?

São dois aspetos distintos: o primeiro prende-se com a proteção radiológica, com o perigo das radiações ionizantes e com o excesso de realização de exames radiológicos que provavelmente existe e que deve ser evitado. A dose de radiação associada a um exame muito frequentemente realizado em medicina nuclear, dirigido ao esqueleto, chamado cintigrafia óssea, é semelhante à dose de radiação que cada um de nós recebe em Portugal, durante um ano, devido a causas naturais. São, portanto, doses muito pequenas. É evidente que, tratando-se de radiação ionizante, deve ser evitada a utilização destas técnicas, tanto as de medicina nuclear como as de radiologia, quando não se perspetiva um benefício diagnóstico superior ao risco, apesar de mínimo, que lhes está associado. Nenhum exame com exposição às radiações ionizantes deverá ser feito sem uma justificação adequada. Por outro lado, a legislação atual, europeia e nacional, contempla a necessidade de troca de informação entre médicos e serviços de saúde, quanto aos exames radiológicos feitos a cada doente, para evitar a ocorrência de duplicações desnecessárias. A segunda parte da pergunta não tem resposta fácil e pode levantar até outro tipo de questões. Por exemplo: quando se fala de certas doenças, como a doença de Alzheimer, fará sentido estar a investir milhões de euros para investigar meios para o seu diagnóstico quando não há ainda nenhum tratamento estabelecido? A minha opinião é que sim, que faz sentido tudo fazer para procurar compreender e conhecer cada vez melhor cada doença, sobretudo se se trata de um dos principais flagelos atuais da nossa sociedade.

Há também que ter em conta o custo-benefício...

Sem dúvida. Mas não é nada fácil argumentar e decidir sobre um tema em que estão envolvidas múltiplos aspetos, não só de natureza económica mas também de natureza ética. Qual é o valor que estamos dispostos a pagar pela saúde de cada um de nós?

Qual é o papel da Engenharia no interior do Serviço?

Neste momento temos a trabalhar permanentemente, no Serviço de Medicina Nuclear do CHUC, um Engenheiro Físico e um Físico. São elementos fundamentais em vários aspetos, como o controlo de qualidade dos equipamentos. Fazem todo o processo de controlo de qualidade das câmaras gama, do equipamento PET/CT e dos outros equipamentos de deteção que temos. São também fundamentais no que respeita à Proteção Radiológica. São eles que definem as normas de proteção radiológica, estão envolvidos no processo de licenciamento do serviço e que fazem o controlo dos resíduos radioativos e das exposições radiológicas dos profissionais. Também ajudam na definição das doses a administrar a doentes internados (a nossa área não envolve só técnicas de diagnóstico, há também uma componente terapêutica). Os quartos de terapêutica têm de ser devidamente monitorizados e tem de ser verificado se há contaminação radiológica, ou não, após cada terapêutica.

Com este novo ciclo político, e em que eventualmente algumas das decisões tomadas anteriormente poderão ser postas em causa, esta fusão megalómana dos três centros hospitalares de Coimbra num só centro trouxe, na sua opinião, mais vantagens ou mais inconvenientes? Se houvesse uma sensibilidade política nesse sentido, tecnicamente seria de repensar um certo recuo, ainda que parcial?

Eu acho que faz sentido haver uma integração dos hospitais, embora não necessariamente desta forma. Não se trata de uma solução única, original, só aplicada em Coimbra. Imperativos de natureza económica obrigaram a que fosse aplicada esta mesma fórmula em muitos outros locais, quer no nosso país quer no estrangeiro. Nós tínhamos, na cidade, dois hospitais centrais. Isto é polémico, mas eu consideraria o Hospital Geral sobretudo como um hospital de retaguarda, concentrando nos HUC os doentes agudos, as situações mais ligadas àquilo que deve ser a assistência prestada por um hospital central. Em relação aos Serviços de Urgências, faria também um pouco as coisas nesse sentido: manteria nos HUC os doentes que vêm referenciados pelo INEM, por outros hospitais, por médicos de família. O Hospital Geral poderia ser um excelente ponto de apoio, uma espécie de SAP 24 sobre 24 horas, para tratar situações menos graves, doentes não referenciados, que atualmente se aglutinam nos Serviços de Urgência, o que prejudica a qualidade da assistência que lhes é prestada e a que deveria ser prestada aos doentes mais graves. Penso que, atendendo aos constrangimentos financeiros atuais, a fusão faz sentido mas mantendo a atividade de um Hospital Geral como complementar e não como uma duplicação. No entanto, há muitas dificuldades e muitas sensibilidades a ultrapassar, mas penso que terá que se avançar um pouco nesse sentido, mais cedo ou mais tarde.

Tendo em conta a sua experiência da UGI, se hoje fosse diretor clínico, como foi entre 2005 e 2007, atuaria de maneira diferente? Como vê a evolução da organização hospitalar, designadamente ao nível da fusão?

Estes tempos de fusão têm sido bastante difíceis, precisamente devido à necessidade de conciliar mundos diferentes. Tudo o que é mudança, mesmo dentro de um serviço, quanto mais num hospital desta dimensão, é um processo muito complicado. Não posso deixar de reconhecer essa enorme dificuldade que o Conselho de Administração tem que gerir diariamente. Eu fui diretor clínico numa altura em que só existia o hospital da Universidade – tinha já uma grande dimensão, mas era só o Hospital da Universidade. O facto de ser diretor clínico ajudou-me a conhecer o hospital, e depois como diretor da UGI tive essa vantagem de já vir com um conhecimento mais profundo do hospital. Este processo de fusão gerou problemas nas relações humanas e na própria junção dos serviços sob o ponto de vista físico e organizativo. É muito mais complicado, e difícil, ser diretor clínico nos tempos que correm. No entanto, quanto a mim, o Conselho de Administração teria saído beneficiado no exercício da sua missão se tivesse sido possível dar uma maior liberdade de ação e delegar competências nas estruturas intermédias de gestão. Argumenta-se que tal não é possível porque agora existe um conjunto de limitações do exercício da gestão que têm de ser observadas, sob pena de penalização civil e criminal. Há, portanto, as dificuldades acrescidas que a crise nos trouxe. Mas não tenho dúvidas de que o caminho a percorrer tem de ser o de uma descentralização da gestão, favorecendo uma gestão intermédia, responsável, com maior proximidade aos Serviços. O hospital, sem isso, torna-se ingovernável.

Além das UGI, também existem os Centros de Responsabilidade Integrados (CRI). Estes modelos de organização podem coexistir? Quais as diferenças entre eles?

Penso que nada impede a possibilidade da sua coexistência. Recordo, com alguma mágoa, que aqui na Medicina Nuclear já fomos Centro de Responsabilidade Integrado. O primeiro Centro de Responsabilidade que existiu nos HUC foi no Serviço de Medicina Física e Reabilitação. Depois, foi o nosso, a partir de 1994, à luz daquilo que era o regulamento do da Medicina Física, e durou cerca de 10 anos. A legislação que os regia possibilitava o exercício de medicina privada dentro do hospital, de uma forma perfeitamente transparente, devidamente protocolizada e monitorizada pelo hospital. Recebíamos aqui, todos os dias, a partir das 17 horas, muitos doentes que vinham de outros hospitais, e ficávamos, muitas vezes, a trabalhar para além das 22 horas. Naturalmente, é necessário compensar as pessoas que trabalham. Havia acordos e protocolos com outros hospitais mas o nosso hospital só nos podia pagar quando recebesse o pagamento devido pelos outros hospitais que enviavam os seus doentes. A enorme dificuldade que se verificou quanto à efetivação dos recebimentos devidos acabou por levar à extinção deste sistema. Foi pena, porque se otimizava a utilização dos equipamentos, motivavam-se os funcionários porque trabalhavam mais mas também ganhavam um pouco mais, resolvia-se o problema dos hospitais que precisavam de fazer os seus exames, e resolvia-se o problema assistencial destes doentes. No entanto, falhou o aspeto dos pagamentos inter-hospitais. Algumas vezes tive de pagar do meu próprio bolso aos meus colaboradores e em 2004 tive de dizer ao Conselho de Administração que não era possível continuar assim.

João Pedroso de Lima nasceu em Vila Nova de Poiares, tendo feito os primeiros anos de escolaridade em Alvaiázere e São Pedro do Sul. Terminou o liceu em Coimbra e, ainda aluno de medicina, começou a trabalhar na Faculdade de Medicina como monitor. Fez o seu percurso hospitalar e académico, tendo seguido a especialidade de Medicina Nuclear. O internato foi feito no laboratório de radioisótopos da Faculdade de Medicina, onde também trabalhou como assistente. Após um estágio nos EUA fez o doutoramento em medicina nuclear. Foi diretor clínico dos HUC entre 2005 e 2007. Dirige atualmente a Unidade de Gestão Intermédia – Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica (UGI-MCDT) do CHUC e é sub-diretor do ICNAS-UC. É professor associado convidado da Faculdade de Medicina de Coimbra e Presidente da sua Comissão de Ética. É Presidente da Direção do Colégio de Especialidade de Medicina Nuclear da Ordem dos Médicos e um dos representantes de Portugal na EURATOM.

Newsletter TecnoHospital

Receba quinzenalmente, de forma gratuita, todas as novidades e eventos sobre Engenharia e Gestão da Saúde.


Ao subscrever a newsletter noticiosa, está também a aceitar receber um máximo de 6 newsletters publicitárias por ano. Esta é a forma de financiarmos este serviço.