Entrevista a Décio Sousa

Entrevista por Fernando Barbosa, Adelino Besteiro e Cátia Vilaça

Fotografia por Cátia Vilaça

Numa entrevista com uma tónica diferente do habitual, conhecemos melhor o percurso de Décio Sousa, que em 1969 integrava, com Alberto Martins, os órgãos directivos (era Presidente da Assembleia Magna) da Associação Académica da Universidade de Coimbra. Nesta conversa ficamos a conhecer os bastidores da contestação que se desencadeou quando Alberto Martins pediu para usar da palavra na inauguração do edifício das Matemáticas da Universidade no dia 17 de Abril de 1969, e tal não lhe foi concedido pelo então Presidente da República, Américo Thomaz. Ao percurso académico e de luta estudantil de Décio Sousa seguiu-se a carreira médica e de gestão do CHC, também abordada nesta entrevista.

Como foi o seu percurso académico em Coimbra?

Eu cheguei a Coimbra em 1962. Entrei como caloiro na República dos Pinguins, mas já estava quase a fazer 20 anos. Embora tenha nascido na Madeira, aos cinco anos fui para Angola e fiz lá o liceu. Nessa altura já trabalhava na Função Pública. O meu pai era motorista de táxis, éramos quatro irmãos e não tínhamos grandes hipóteses.

Para estudar, pedi bolsa à Mocidade Portuguesa, ao Governador Geral de Angola, mas tive de vir para Coimbra sem ter a certeza se tinha bolsa. Da Mocidade Portuguesa fui excluído porque já tinha 20 anos. Como outro colega que também tinha concorrido mas não tinha 14 valores de média também estava excluído, resolveram dividir a bolsa, e deu 750 escudos a cada um. Com esse valor já pagava cama, mesa e roupa lavada numa República, para onde vim por ser o sítio mais barato para se estudar.

O nosso objetivo era lutar contra a ditadura, que era muito opressiva, e víamos na República um modo de libertação. Gozávamos ali de autonomia e da possibilidade de reunir sem ter de pedir autorização a ninguém. A malta nova, depois de se integrar neste movimento, já não conseguia conceber por que é que o Governo não deixava fazer reuniões.

Em 1964, estando já eu no Conselho das Repúblicas, no secretariado, forma-se uma lista porque nos três anos anteriores não tinha havido eleições na Associação Académica. Houve uma Comissão Administrativa que esteve fechada, seguida de outra nomeada pelo Governo, que organiza então umas eleições. As eleições de 63/64 foram ganhas pelo Correia de Campos [ministro da Saúde do Governo Sócrates], que era o candidato à direção e já tinha sido expulso de Lisboa. No entanto, o Governo não aceitou e nomeou o [Joaquim] Romero Magalhães, mais tarde ligado ao PS, deixando-o com uma batata quente nas mãos. A Comissão de Estudos Associativos, que eu integrava com o Manuel Alegre, o Lopes de Almeida e o Eurico Figueiredo. Era uma equipa de esquerda, um grupo de pressão sobre o Romero Magalhães, que o obrigou a jogar com todas as habilidades para conseguir manter o mandato até ao fim e ir para a segunda eleição, embora acusado de traição.

Nas primeiras eleições após os mandatos do Romero Magalhães, eu integrei uma lista como candidato à direção, tendo o [jornalista] José Carlos Vasconcelos para a Assembleia Geral, e nós fizemos a campanha todos os juntos, liderada pelo Barros Moura [PCP], um tipo popularmente detestado, anti-praxista, sectário, e eleitoralmente sem hipótese. Como aquela lista nunca ia ser aprovada pelo Governo, eu disse que não podia integrá-la. O Barros Moura era filho de um professor, eu não… Eu posso ser muito corajoso se o meu pai me der emprego a seguir. Eu sabia que ia ser eleito mas não podia aceitar. Tinha a possibilidade de ir até ao fim mas na hora de tomar posse, se estivesse doente, com atestado, não tomava posse e entrava o seguinte. Ficou assim combinado e fomos para as eleições e eu fiquei em segundo lugar, e o Barros Moura ficou em último. Depois da eleição há a escolha dos lugares. Começou-se a votação mas ainda havia malta a defender o Barros Moura… Para que ele pudesse entrar tiveram de desistir mais dois.

Os que tomaram posse acabaram expulsos da Universidade. O próprio vice-presidente da Assembleia Geral, por ter dado posse, acabou por ser expulso também por seis meses. A partir daí entraram três suplentes e passado pouco tempo são expulsos todos e o movimento perde cada vez mais força. Fizemos manifestações, pedimos amnistia para os colegas expulsos mas não tínhamos apoio.

Nessa altura a fação da direita não tentou tomar conta da situação?

Nessa altura eles perdem expressão. Teoricamente faziam parte da direção mas desistiram logo. Entravam pelo outro lado, o das comissões administrativas.

Chegámos à conclusão de que se queríamos fazer alguma coisa com os estudantes teríamos de pegar nos problemas que lhes interessavam, em coisas concretas, e o que lhes interessava era o ensino. Fazíamos reuniões na sala de estudos e reivindicávamos coisas à comissão administrativa. Essa estratégia vai fazendo com que as pessoas comecem a despertar para as coisas. Chegámos a organizar um sarau, que embora censurado foi a oportunidade para a primeira aparição pública do Adriano Correia de Oliveira, que era de uma República também.

Só em 68 é que começa o movimento de fundo, com um abaixo-assinado com 2000 assinaturas a exigir eleições para a associação académica. Isto agora parece uma brincadeira mas assinar um papel naquela altura não era fácil. O movimento desencadeado fez com que se abrissem eleições. A direita também concorreu. Ganhámos 7-1, quando estávamos habituados aos 4-3. Foi uma vitória esmagadora, e esta direção toma posse nos primeiros dias de fevereiro de 69 (a crise começa em abril).

Mas o que acontece para despoletar a crise?

O que despoleta isto é a inauguração do edifício das Matemáticas. Era lógico o presidente da Associação pedir para falar durante a cerimónia, e pediu por escrito, embora nunca tenha havido uma resposta cabal. Na véspera reunimos para decidir o que fazer e até falámos em deixar passar a situação porque ainda estávamos a organizar secções. Acabámos por concordar que tínhamos de fazer alguma coisa. Decide-se então que o presidente ia lá, de capa e batina, e quando se toma essa decisão já é com todo o apoio da massa estudantil. Quando vínhamos a sair, o Alfredo Soveral Martins, que era assistente da faculdade, e eu, começámos a pensar no que aquilo tudo ia dar, depois de gritarmos “palhaço” ao ouvido do Américo Thomaz. Lembrámo-nos, por exemplo, de episódios na Alemanha nazi, em que houve um grupo de estudantes numa manifestação que lançou uns panfletos contra o Hitler e foram fuzilados! Nós não estávamos à espera de ser fuzilados, agora o que eles iam fazer era uma incógnita total.

O Alberto Martins pediu a palavra com toda a deferência, respeitosamente, e o Américo Thomaz não disse que sim nem que não, apenas respondeu “mas agora vai falar o sr. Ministro das Obras Públicas”, e as pessoas ficaram na expectativa de que no fim ele iria falar. Quando acabou de falar o Ministro das Obras Públicas e eles se levantam para sair, começam os insultos e depois as detenções.

Veio tudo para a associação, e à meia-noite, quando o Alberto Martins vem a sair, a PIDE prende-o. Mobilizámos umas centenas de pessoas e foi tudo para a frente da PIDE, mas a seguir veio a polícia de choque e varreu tudo por ali acima. As pessoas fugiram, mas ao outro dia Coimbra apareceu com panfletos a dizer que tinham prendido o presidente da Associação Académica. Vão todos à Assembleia Magna no pátio da Universidade, às 9h30 ou 10 horas. Os papelinhos invadiram a cidade.

No dia a seguir à prisão do Alberto Martins, este é libertado antes da Assembleia Magna e tudo termina, nessa altura, com uma grande vitória dos estudantes de Coimbra.

No dia 20 de Abril de 1969 são suspensos 7 alunos que tinham participado na «reinauguração» do edifício depois da saída das autoridades. Desencadeia-se então uma greve às aulas com tal sucesso que o governo decide acabar com as aulas mais cedo

A estes protestos seguiu-se a greve a exames. Também houve solidariedade dos professores, tirando um ou outro, mas mesmo os mais reacionários estavam mal com aquilo. Ao contrário de todos os movimentos que se faziam em Lisboa, aquele não tinha nada de político. Políticos éramos nós todos! Tivemos a preocupação de não dar pretextos para repressão, aquilo era apenas pedagógico. Estudantes expulsos porquê? Não fizeram nada… Seguiu-se a greve às aulas, e a melhor maneira que encontraram de resolver aquilo foi acabar as aulas antes do tempo. A 29 de abril acabam as aulas e ficámos sem objeto. Aí começa a grande estratégia. Nós tínhamos um movimento de 25 pessoas a quem chamávamos o congeminativo académico. Reunia muita gente da lista, as pessoas mais empenhadas politicamente. Era um movimento democrático contra o regime mas com a noção de fazer o que era possível. Nessa reunião, alguém defendeu que a luta devia continuar a ser académica, mas o que se defendia era manifestações de rua contra isto e aquilo, e sabemos como terminam esses movimentos. À primeira vão todos, levam uma carga de porrada, à segunda já vão menos e depois não vai ninguém.

O caminho seguinte era então greve a exames. Dos 20 e tal alunos que lá estavam, aí uns 20 manifestaram-se contra, eu incluído. Ficou decidido que se ia trabalhar nesse sentido, e depois se havia greve ou não logo se via.

Portanto, a greve aconteceu, teve consequências, houve incorporações na tropa de várias pessoas, não só dos dirigentes mas de quem tinha feito greve, e isto teve grande influência na própria tropa e criou condições para minar os militares do quadro, entre os quais emergia a contestação à guerra colonial.

Um dia estávamos na camarata, em Mafra, e entrou um grupo de jovens, alunos da Academia, que nos perguntou o que se passava em Coimbra. Estava lá o Rui Pato [médico e músico que acompanhou José Afonso à viola durante a década de 60], o Alberto Martins, tudo na mesma camarata. No início, em Mafra, estávamos todos juntos. Íamos pela noite dentro explicar o que se passava e eles ficavam interessadíssimos. Houve várias reuniões destas e isso teve a sua influência. Fizemos os três meses de recruta e depois fomos classificados.

Teve influência no 25 de Abril e nas mudanças que se seguiram, na descolonização…

No fim da recruta fomos fazer a especialidade e houve uma amnistia. O José Hermano Saraiva foi substituído, na pasta da Educação, pelo Veiga Simão. Gouveia Monteiro passou a ser o reitor e impôs como condição apaziguar as coisas e trazer os estudantes que estavam na tropa.

Queríamos também falar no seu percurso no Centro Hospitalar de Coimbra (CHC) e na Casa de Pessoal.

Em 1970 entrei para a especialidade de Anestesiologia. Quando saí da tropa fui acabar a prática clínica e tornei-me médico em 1971. Fiquei a fazer o internato e depois concorri para o hospital. Todos os anos, enquanto não acabava o curso tinha de mandar um papel para a tropa a dizer que já tinha feito mais um ano. Quando acabei o curso não mandei nada, estrategicamente. Ficámos indefinidamente mais dois anos ou três, enquanto os colegas iam sendo chamados para a especialidade. A 18 de abril de 1974 recebemos o papel a dizer que tínhamos de voltar para a tropa, uma semana antes do 25 de Abril. Fui para a Estrela com o Rui Pato e o Luís Namorado. Íamos como médicos e aspirantes a oficiais milicianos. Na primeira aula, o capitão falou das classificações, explicando que quem ficasse mais bem classificado podia escolher para onde ir e depois no fim chamou-nos para falar com ele. Era para nos dizer que tinha indicação de que íamos todos para a Guiné. Eu objetei que ele tinha falado na classificação mas ele disse que a nós isso não se aplicava.

No dia 25 de Abril, alguém me telefonou logo de manhã a dizer que tinha acontecido qualquer coisa. Fomos para a Estrela, que ficava pertinho. Vi um carro ir buscar a mulher do Costa Gomes, que estava internada na Clínica da Estrela. Andava com um rádio às costas a ouvir as emissões… Depois o capitão desapareceu, só o furriel é que nos disse para irmos para casa desfardados. Nós fomos, à paisana, ver o que se estava a passar, algo que não me sairá nunca da memória. Vi chegar o Spínola, vi os bombardeamentos no Carmo…

Depois desse período entrou logo como anestesista?

Entrei para a tropa como anestesista, depois de já ter feito uns estágios de anestesia voluntários, reconhecidos pela Ordem. Sou mobilizado para Angola, por causa da descolonização, e no dia em que ia para Angola, no aeroporto, recebo a indicação de que afinal ia para S. Tomé porque não havia anestesistas em S. Tomé, e o Alto-Comissário queria um anestesista. O cirurgião que estava lá com ele era meu amigo e indicou-me. Voltei de lá, fui fazer o concurso de anestesista e em 1977 pedi transferência para os Covões. Havia sete anestesistas a fazer o mesmo internato no CHC e eu achei melhor ir para os Covões. Fiz a especialidade em 79, entrei para o quadro em 80 e depois em 82 entrei para o Pediátrico e fiquei lá até à reforma.

Em 1989 entrei para o Sindicato Independente dos Médicos, ao qual presidi, tendo feito uma carreira dentro do sindicato, com todos os processos de greves e reuniões com o ministro. Fundei o sindicato na zona centro. Também em 89 filiei-me no Partido Socialista. Nessa altura, havia uma grande atividade no PS, que tinha secções. Eu era da secção de Saúde, no âmbito da qual se fizeram reuniões abertas com os profissionais do hospital. Depois vieram novas orientações e o PS cortou com isso tudo.

Quando é que entrou para Presidente do Conselho de Administração?

Confesso que foi com surpresa que recebi o convite para presidir a um Centro Hospitalar. Só havia dois centros na altura e, portanto, era bem diferente de dirigir um hospital. Eram três instituições de saúde com administração comum: um Hospital Geral com todas as valências de Hospital Central, um Hospital Pediátrico e uma Maternidade.

Não foi fácil esta decisão pois não ignorava as dificuldades de relacionamento entre estas três instituições. Havia sempre a convicção de que o Hospital Geral era um colonizador que “explorava” as colónias desviando a seu favor verbas e regalias que não lhe seriam destinadas.

Quais os momentos mais importantes dessa passagem?

Vinte anos depois não é fácil resumir seis anos de atividade. Mas, sem dúvida nenhuma, penso que o mais importante foi a aposta inicial em acabar com o clima de suspeição entre os conselhos diretivos (CD) dos hospitais e definir bem o papel do Conselho de Administração do Centro Hospitalar.

Assim, com reuniões periódicas com os CD e com a abertura e contacto direto diário com os hospitais integrados, foi possível acabar com esse complexo de “colonização”, foi possível mostrar com toda a transparência a aplicação dos orçamentos, verbas e prémios extra e, não menos importante, foi possível estabelecer um consenso sobre os limites da autonomia de cada hospital.

Eu era dos poucos trabalhadores que conheciam bem os três hospitais por ter trabalhado longos períodos em todos eles.

Passados poucos meses, sentimos que todo o ambiente relacional estava bem melhor, sentíamos que era possível discutir com abertura todos os problemas que iam surgindo. Isto não significa que não se mantivesse alguma desconfiança e que houvesse curto circuitos a tentar tratar diretamente com Lisboa assuntos da competência do CH.

Mas, já que estamos a recordar momentos importantes da nossa passagem pela administração, quero salientar a decisão de avançar com o Plano de Emergência do Hospital Pediátrico que definhava, com as suas capacidades totalmente esgotadas sobretudo com falta de espaço. Assim, foi possível em menos de três anos construir um novo Bloco Operatório e cinco pavilhões, duplicando ou mais a sua capacidade de intervenção. E já agora, referir a construção, no Hospital Geral, do pavilhão de Otorrinolaringologia, a implementação da hemodinâmica, da TAC, do novo serviço de Neurologia. Estou a citar de cor.

Na altura já havia dois grandes centros hospitalares em Coimbra. Justificava-se?

Nós tínhamos um plano de ir juntando serviços, numa lógica complementar. Fizemos isso em duas situações: na estomatologia, que ficou só com uma urgência, e na cirurgia maxilo-facial. Fizemos essa fusão com grande sucesso, as coisas funcionaram bem. Pouco depois de ter tomado posse tive uma reunião com o Eng.º Arcos dos Reis, Secretário de Estado, que nos chamou a atenção para a importância de as administrações procurarem esgotar os recursos do Serviço Nacional de Saúde, isto é, oferecerem serviços e contratarem serviços dentro das instituições do SNS antes de recorrerem ao exterior.

Compreendemos bem esta lição e assim procurámos proceder. Fizemos um protocolo com os HUC mas havia mais coisas na berra. Oferecemos análises a praticamente todos os centros de saúde ali à volta. O eng. Arcos dos Reis não durou 6 meses no Governo… Isto era possível, desejável, mas havia sempre resistências. Quanto às análises, houve um grupo das ARS que não gostou nada e tudo fez para entravar o processo. E Arcos dos Reis só houve um e por pouco tempo.

Mas considerava que havia campo para dois hospitais a fazer as mesmas coisas?

Claro que havia. Passados vinte anos, ainda continua a haver. Claro que a duplicação de alguns serviços talvez não se justificasse, como por exemplo a cirurgia cardiotorácica, a neurocirurgia ou mesmo a neurologia. Era nesse sentido que as administrações do CHC e dos HUC estavam a trabalhar mas não no sentido de acabar com nenhum deles. Mas isto chocava com interesses instalados e foram por outros caminhos.

Acha que esta nova concentração no CHUC de três Centros Hospitalares já existentes (Hospitais da Universidade de Coimbra, Centro Hospitalar de Coimbra e Centro Hospitalar Psiquiátrico de Coimbra) traz mais vantagens ou desvantagens? Há uma concentração de culturas e de pessoas, e onde antes havia duas urgências agora há uma “e meia”…

A fusão foi feita sem qualquer planificação. Quando estávamos a tentar fundir serviços isso era planificado, mas esta fusão foi mal feita, não foi preparada, não foi minimamente planificada. O Martins Nunes [anterior presidente do Conselho de Administração do CHUC] teve a habilidade de ir navegando a situação. Procurou não criar grandes problemas senão isto ainda seria mais grave. A ideia de praticamente extinguir o Hospital dos Covões foi uma coisa programada e decidida pelo Correia de Campos. Em Coimbra foi assim, e vejo que noutros lados não é assim.

Não houve mais nenhuma fusão como esta. No Porto continua a haver o Hospital de São João, com mais alguns serviços agregados no Centro Hospitalar, mas continua a existir o São João e o Santo António. Em Lisboa também não se fundiu os Hospitais Civis com o Santa Maria.

Em Coimbra foi mesmo para acabar. Convenceram-se de que iam ter grandes ganhos e isso não acontece.

Havia culturas diferentes nos hospitais fundidos que não acabaram, e há um mal-estar das pessoas que vão lá ficando. Onde ainda existe essa cultura é nas Casas de Pessoal porque não conseguem acabar com elas… O Dr. Décio é o presidente da Casa de Pessoal do CHC. Quais seriam as vantagens de juntar as três Casas de Pessoal, se isso fosse possível?

Eu acho que a fusão das casas não seria vantajosa. Temos culturas bastante diferentes e atividades diferentes. Podemos é ser complementares. No CHC temos muita atividade cultural.

Há hoje da parte das administrações uma vontade de controlar as Casas de Pessoal como se fosse mais um serviço do hospital. Então pedem relatórios, contas e pagamentos de prestação de serviços. Nem sempre há a noção de que as Casas de Pessoal, se é certo que utilizam as instalações do hospital, também prestam um serviço que à empresa hospital competiria fazer.

AS últimas administrações não têm essa sensibilidade. Nós vemos como a Google e a Critical Software têm a preocupação de ocupar os trabalhadores, dar-lhes complementaridade em vários campos, desde a preparação física à cultural. Os hospitais não têm. No entanto, quando os administradores vão estudar gestão, têm no plano de estudos a necessidade de complementar as atividades dos trabalhadores. Depois olham para a Casa de Pessoal como o inimigo que está a roubar qualquer coisa. E depois confundem coisas. Há um grande apoio à Liga dos Amigos dos Hospitais. Ora, a Liga dos Amigos dos Hospitais não tem a função, aqui em Coimbra, que todas as Ligas têm. A Liga aqui presta apoio aos doentes, quando a Liga existe para apoiar os hospitais. A Liga dos Amigos do Hospital da Figueira da Foz e do Hospital de Santo António oferece coisas, anda pelo mercado a angariar fundos para oferecer TAC e equipar salas, mas aqui não, andam preocupados em auxiliar os doentes, quando essa tarefa cabe ao hospital e ao serviço social

Aqui nos HUC, a Casa de Pessoal toma conta da creche, toma conta dos filhos dos funcionários, e isso não é tomado em consideração quando vêm pedir coisas e pôr em causa aquilo que foi acordado por anteriores administrações que cederam o espaço e condições funcionais…

Temos a portaria do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, que define claramente que os hospitais devem apoiar as Casas de Pessoal cedendo espaços e dispensando pessoal, algo que nós inclusivamente nunca pedimos. Quando invoquei isso disseram-me que não estava em vigor…o que não é verdade.

Como médico, como avalia a influência das Casas de Pessoal no bem-estar dos funcionários?

Eu penso que este apoio dado pelas Casas de Pessoal corresponde à visão que hoje as grandes empresas também têm sobre o bem-estar e satisfação do pessoal. As Casas de Pessoal nos hospitais têm servido para isso, para criar um espírito de corpo. As pessoas sentem-se integradas. Eu recordo que a primeira coisa que fiz no Conselho de Administração foi avançar com uma revista. Nós tínhamos três hospitais e esta revista servia para as pessoas se conhecerem umas às outras. Havia uma preocupação de ter sempre uma secção para cada hospital, que englobasse as realizações, a organização de coisas, a promoção das pessoas, a parte científica. A Casa de Pessoal foi fundamental para a revista. O presidente do Conselho de Administração era diretor da revista e mesmo depois de sair do hospital manteve-se nela. Agora é que com este desinteresse, com esta fusão, ninguém quer colaborar.

Para terminar e respondendo à pergunta mais diretamente, recordo que dezenas de atletas praticam desporto todos os dias, todos os meses fazem visitas culturais e recreativas, todos os anos participam em viagens de férias no estrangeiro, frequentam aulas de dança, ginástica, costura, fotografia e tantos outros cursos que todos os anos vão surgindo. E é a Casa do Pessoal que o possibilita.

Décio Sousa é médico especialista em Anestesiologia. Licenciou-se em Coimbra, conjugando os estudos com uma intensa atividade associativa, algo que mantém até hoje. Ingressou no Sindicato Independente dos Médicos e no Partido Socialista, onde ficou responsável pela secção de Saúde de Coimbra. Presidiu ao Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Coimbra quando António Guterres era primeiro-ministro. Já aposentado, preside à direção da casa de Pessoal do Centro Hospitalar de Coimbra.

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