Inteligência Artificial: compreender os riscos, abraçar as oportunidades

Imagem Yamu_Jay / pixabay
Os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) assinalaram o seu 15º aniversário com a conferência “Digitalizar a Saúde, Transformar o Futuro”, com a interoperabilidade, integração e eficiência na ordem do dia
Quase uma semana depois da aprovação do despacho que inicia a aplicação do Regulamento Europeu do Espaço de Dados em Saúde, os técnicos e decisores que ontem debateram o futuro da digitalização na saúde mostraram otimismo, relativamente a este e outros aspetos da transição. Incluindo o advogado Adolfo Mesquita Nunes, a quem foi pedido que falasse dos riscos mas não deixou de sublinhar as oportunidades. Mesquita Nunes começou a sua intervenção com um exemplo do que pode correr mal: o caso que levou à queda do governo holandês em 2021, após o recurso a algoritmos onde os nomes que não parecessem holandeses ou a dupla nacionalidade foram usados como critério de potencial fraude na obtenção de benefícios sociais. A aplicação cega dos resultados culminaria num caso de racismo institucional, com milhares de famílias racializadas e de baixos rendimentos a serem falsamente acusadas de fraude. Embora insistindo na necessidade de ter parceiros de confiança e certificados, Mesquita Nunes insistiu na responsabilidade integral de quem aplica os sistemas face aos seus resultados: neste caso, os serviços de saúde. O advogado aconselha a que se analisem todos os sistemas de Inteligência Artificial nas organizações - os disponíveis e aqueles em projeto - e se avaliem os seus riscos e analisem as regras. Mas aconselha igualmente a abraçar a oportunidade.
A regulação foi também o tema trazido por Ricardo Baptista-Leite. O médico e antigo deputado do PSD preside à Health AI - a agência global para uma IA responsável na saúde. O dirigente da organização sem fins lucrativos apontou a fragmentação legislativa como um desafio. Se na Europa até há harmonização legislativa, a nível global cada país segue o seu caminho, o que desacelera a adoção de tecnologia. Para conciliar o rápido avanço da tecnologia com as obrigações regulatórias, Baptista-Leite advoga um maior empoderamento das entidades reguladoras, e também trabalhar na acessibilidade e interoperabilidade entre unidades de saúde. É este, de resto, o foco da agência: trabalhar na expansão da capacidade dos países para regular a Inteligência Artificial na Saúde, através do apoio a mecanismos regulatórios capazes de acelerar a validação de tecnologias.
Tornar estes processos mais expeditos implica centralizar o mais possível os dados - foi essa a ideia deixada pelo especialista em ciência de dados e Inteligência Artificial Bernardo Caldas, que focou a sua comunicação no que é necessário fazer para que o impacto da Inteligência Artificial seja real. Um dos conceitos-chave é a integração - não só de sistemas, mas de ecossistemas, com o especialista a focar a necessidade de aliar a privacidade dos dados ao acesso a investigadores, start-ups e desenvolvedores de software.
A necessidade de ter os dados mais acessíveis foi também salientada pelo presidente do Infarmed, Rui Santos Ivo, pelo serviço que prestam ao doente. Ainda assim, elogiou o grau de centralização que já existe neste momento, exemplificando com a Estratégia da Rede Europeia de Agências de Medicamentos para 2028, focada em seis prioridades, sendo uma delas a alavancagem dos dados, da digitalização e da inteligência artificial. Concretamente, a rede tenciona incorporar a utilização de dados de saúde da União Europeia nos seus processos, incluindo da Data Analysis and Real World Interrogation Network (DARWIN EU) e dados individuais de doentes provenientes de ensaios clínicos. A rede pretende alcançar um elevado nível de interoperabilidade e alavancar a experimentação e os avanços tecnológicos em Inteligência Artificial.
Coube à docente universitária e antiga ministra da Coesão Territorial Ana Abrunhosa deixar um apelo: trabalhar para que a Inteligência Artificial diminua as desigualdades, em vez de as agravar. Lembrando as desigualdades entre litoral e interior, onde às vezes até banda larga falta para possibilitar teleconsultas, a deputada do Partido Socialista lembrou que a aposta na Inteligência Artificial não é compatível com “estruturas caducas”, o que implica investimentos que permitam o seu pleno aproveitamento e não criem mais desigualdade no acesso.
O diretor executivo do SNS, Álvaro Almeida, destacou a importância da integração de cuidados (não apenas organizacional) para a prestação de um efetivo serviço público, pelo seu potencial de eliminar duplicações e possibilitar melhores cuidados com menos recursos. Também Adalberto Campos Fernandes, que abordou, juntamente com Luís Marques Mendes, a transição digital na Saúde e o crescimento económico, referiu a importância do Registo de Saúde Eletrónico na redução de duplicações e do erro.
A Diretora-Geral de Saúde, Rita Sá Machado, adiantou que a DGS está a trabalhar na inclusão de ferramentas de Inteligência Artificial no processo de alteração de normas. Rita Sá Machado lembrou que a interoperabilidade já existe entre muitos sistemas, mas a nova diretiva relativa ao espaço europeu de dados virá alavancar mais este processo.
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