Entrevista a António Rocha Lobo, arquiteto

António Rocha Lobo acompanhou vários modelos de construção hospitalar ao longo do seu percurso, desde o envolvimento total do Estado em todas as fases do processo até às Parcerias Público-Privadas (PPP). Embora reconheça a necessidade de haver técnicos especializados no Ministério da Saúde, capazes de transmitir conhecimentos e orientações, considera não ter havido perda de qualidade na construção.

Não havendo formação académica específica na área hospitalar, como é que um arquiteto ganha o conhecimento necessário para o desenvolvimento da atividade numa área tão peculiar como os hospitais? A estrutura da Direção-Geral das Instalações e Equipamentos de Saúde (DGIES), entretanto desmantelada, teve alguma influência positiva nessa formação através do acompanhamento do projeto e da construção de edifícios hospitalares?

Quando se faz um curso de Arquitetura, fica-se com ideias generalistas. A única maneira de uma pessoa se formar é fazendo, projetando. É óbvio que um hospital é muito específico na sua composição, pois um edifício hospitalar é composto por um conjunto de serviços que têm de estar interligados. Também é necessário saber como esses serviços funcionam. Um arquiteto que sai de uma faculdade não sabe como funciona um bloco operatório, um serviço de imagiologia ou um serviço de esterilização como eu próprio constatei, quando comecei nesta área e vim para o Hospital de Coimbra acompanhar e fazer todo o projeto de execução. O Hospital de Coimbra  começou com um projeto  geral. Foi preciso, em fase de obra, já com a estrutura de betão armado a ser executada, detalhar todos os serviços que não estavam especificados até aí, criá-los, melhorá-los e dialogar com os futuros utilizadores. Nessa altura eu também não sabia nada de hospitais. Aprendi com o arquiteto autor do projeto, o espanhol Fernando Florez, já desaparecido. Aprendi com os técnicos do Ministério (primeiro das Obras Públicas e depois da Saúde) e também andei à procura de documentação sobre hospitais e de arquitetura hospitalar. Visitei hospitais na Dinamarca, Inglaterra, Suíça, Espanha, e fui a congressos organizados pela Federação Internacional dos Hospitais.

Reconhece que a estrutura da DGIES, entretanto desmantelada, faz falta aos hospitais…

Direi que, presentemente, o Ministério está depauperado em termos de know-how técnico dos hospitais, quer a nível de Arquitetura,  quer a nível das próprias especialidades  técnicas. Houve um período em que o país construiu muitos hospitais e tinha, nas suas estruturas regionais, técnicos que iam passando os seus conhecimentos aos que entravam, promovendo uma certa renovação. A partir de determinada altura, quando começou a haver restrições à entrada de novos quadros na Administração Pública, deixou de haver renovação. De há cinco anos para cá que não se constroem hospitais e, como tal, os técnicos que existem neste momento no Ministério da Saúde não têm prática de acompanhar obras. Como não têm essa prática, não têm know-how suficiente para se confrontarem com outros técnicos, que entretanto podem vir a desaparecer.

Ou seja, podemos temer pela saída dos arquitetos mais experientes para a reforma e dos arquitetos mais novos para o estrangeiro em busca de emprego…

Eu penso que sim, embora possa haver casos (estou a falar de quem exerce a Arquitetura de forma privada) de  arquitetos que passem os seus conhecimentos aos mais novos e que estes , mais tarde, se sirvam desses conhecimentos para avançarem e continuarem os projetos de hospitais, mas serão casos isolados.

Desde 1981, quando tomei conhecimento com a realidade dos hospitais, que aparecem entidades vindas da Suécia, França ou Espanha com soluções para os hospitais. O Hospital de Coimbra apareceu nessa altura, quando o Governo da época lançou um concurso  e as soluções foram importadas. Temo que daqui a mais três ou quatro anos possa acontecer o mesmo, ou seja, o governo que estiver em funções avance com um projeto e acabe por ir à procura de consultores externos para lançar um novo hospital.

No âmbito da arquitetura hospitalar, quais os projetos mais importantes que desenvolveu?

A partir de 1987 e durante uns 10 anos, houve um boom da construção hospitalar e do projeto hospitalar. Foi quando se construiu o Hospital de Amadora-Sintra, eu fiz os projetos para os concursos do Amadora-Sintra e do Hospital de Matosinhos, que foram realizados em simultâneo. Foram lançados na mesma altura e a entrega das propostas espaçada em oito dias. Depois houve um período em que o ministério analisou as propostas. No entanto, não ganhámos o concurso do Hospital de Matosinhos. Fiz também os projetos do Hospital de Viseu,  da Cova da Beira,  do Barlavento Algarvio e  de Torres Novas. Depois, houve também uma reabilitação/renovação/ampliação do Hospital Curry Cabral, em Lisboa. O mesmo se fez entre 2000 e 2010 no Hospital de São João, no Porto, e na reta final o Hospital de Cascais, que foi feito já no âmbito das PPP, sendo que aí tive uma função de coordenador do projeto geral, mais do que de projetista. Na altura a Empresa Teixeira Duarte entendeu que se devia ir buscar um projetista externo e que devíamos ser nós a fazer toda a coordenação do projeto dele.
 

Numa fase inicial, os concursos de construção tinham por base o projeto preparado pela Direção-Geral de Construção Hospitalar, que depois deu origem aos concursos de conceção-construção, chamados “hospitais chave-na-mão”, dos anos 80/90. Desta passagem de uma fase para outra resultaram mudanças assinaláveis em termos de qualidade, construção e estética dos edifícios?

Houve quase uma corrente de pensamento entre os técnicos do Ministério, segundo a qual, nos concursos de conceção-construção, a qualidade era posta em segundo plano porque o grande objetivo era o lucro do construtor. Eu cheguei, inclusivamente, a fazer uma comunicação a combater este tipo de ideia e não estou de acordo com ela, talvez pela minha prática de projeto e de acompanhamento de obras dos hospitais construídos em que estive envolvido.

Não vejo diferenças entre os hospitais com projeto mandado executar pela DGIES e aqueles cuja obra era posta a concurso para dizer que o primeiro era de muito melhor qualidade e explico porquê: eu conheço alguns hospitais anteriores, feitos com o projeto da DGIES. Por exemplo, o Hospital de Abrantes estava em fase final de construção quando eu me iniciei aqui no projeto e construção do Hospital de Coimbra, em 1981. O mesmo aconteceu com o Hospital do Barreiro. O Hospital de Almada foi o último a ser posto a concurso, antes de o Estado ter lançado o concurso do Hospital Amadora-Sintra. Não acho que o Amadora-Sintra, em regime de conceção-construção, seja inferior, a nível de qualidade de espaços e de materiais usados, ao Hospital de Almada. Eventualmente, até direi que é melhor em termos de qualidade ambiental interior. Comparativamente aos hospitais anteriores, de facto o Hospital de Castelo Branco tem qualidade.

Quando se estava a iniciar a obra de um novo hospital, visitavam-se os casos anteriores mais recentes. Antes de se avançar para a construção do Hospital de Amadora, eu fui visitar, ainda em fase final de construção, o Hospital de Guimarães. Neste percurso de hospitais, à medida que se iam fazendo os projetos, ia-se sempre melhorando algo, embora não fosse fácil introduzir novos materiais. Quando se queria fazer qualquer inovação os fornecedores de materiais e de equipamentos pediam valores desajustados para aquilo que se podia pagar. As simples proteções nos corredores, hoje feitas em PVC, ficavam muito caras porque o material estava a começar a entrar no mercado. O próprio ministério foi fazendo determinado tipo de exigências ao nível da qualidade das instalações, como a colocação de ar condicionado. Hoje em dia, o ar condicionado está praticamente generalizado a todo o hospital. Isso é uma evolução significativa.

As PPP surgem na sequência do regime de conceção-construção. Trouxeram algo de novo em relação à arquitetura hospitalar, isto é, influências benéficas ou condicionantes a quem projeta?

As melhorias podem residir no facto de terem aparecido a concurso várias conceções um pouco mais simples de organizar um hospital, a par de melhorias a nível da imagem exterior do edifício. Só existem quatro hospitais feitos nessa modalidade: Cascais, Braga, Loures e Vila Franca de Xira. Externamente, esses edifícios têm uma imagem mais contemporânea. Os materiais usados nalguns casos, e estou a referir-me ao caso de Cascais que é o que conheço melhor, são materiais que 20 anos antes já existiam mas tinham valores perfeitamente insuportáveis para serem utilizados. São edifícios que não precisam de ser reparados, quando muito precisam de ser limpos. Têm uma manutenção muito mais barata do que um hospital de Amadora ou de Viseu cujo exterior ainda é do tempo do reboco e pintura.

Ao nível das instalações, é evidente que a legislação se tornou mais exigente. Estou a lembrar-me da segurança contra incêndios, e outros requisitos como a obrigatoriedade de usar a cogeração em edifícios com mais 10 mil metros quadrados de área bruta.

Há um edificado hospitalar muito significativo mas há necessidade, com certeza, de passar para uma fase de reabilitação e de melhorias. Isso não vai criar uma nova necessidade na área dos projetos de arquitetura e de instalações?

Há hospitais que já foram alvo de obras de ampliação e de renovação com vista à criação de estruturas através das quais possam responder às necessidades para as quais foram criados. Foi o caso do Hospital de Coimbra, que já foi alvo de uma renovação exterior a nível de fachadas, e como este, há outros que necessitam desse tipo de obra. Por outro lado, talvez pela necessidade de instalar outros serviços nos hospitais, será necessária a intervenção dos arquitetos e dos engenheiros.

Os hospitais são estruturas que se desatualizam muito rapidamente, obrigando à modificação dos espaços existentes e à ampliação e criação de espaços novos no seu interior. Deveria ser feito algo para prever essas mudanças inevitáveis no desenho inicial do hospital?

Eu acho que pode, deve e já foi previsto. O hospital, ao longo da sua vida útil, e estamos a falar de aproximadamente uma centena de anos, tem de ser transformado, adaptado às novas tecnologias, às mudanças no exercício da medicina. Há aqui dois ou três aspetos importantes a ter em conta no projeto. Primeiro, é preciso que a modelação estrutural dos edifícios o permita. Todos os hospitais em que eu intervim em projeto, posteriores ao de Coimbra, têm uma malha estrutural, aceite por toda a gente envolvida nos projetos, entre os 7m e os 7,5m ou mais. Os hospitais são mais facilmente adaptáveis se não tiverem elementos estruturais verticais que impeçam essas renovações e essas alterações. Uma malha estrutural que ande à volta dos 50 m2 permite essas alterações porque não há obstáculos físicos, havendo apenas paredes divisórias. Se nas paredes divisórias forem usados materiais como as estruturas de paredes de pladur, ainda mais facilmente se torna possível fazer essas alterações e adaptações. Foi o caso do Hospital de Cascais, que tem, em muitas áreas, essas estruturas de pladur, que a qualquer momento podem ser retiradas e ampliar-se o espaço para o dobro.

No caso dos serviços de urgência, é mais difícil, à partida prever novos espaços que o crescimento do número de utentes sempre determina. Esta procura de serviços de urgência obriga mesmo à ampliação dos serviços…

Eu direi que sim mas isso deve ser um caso típico de Portugal. Quando me desloquei a alguns hospitais europeus verifiquei que os serviços de urgências eram perfeitamente calmos e quase não se viam chegar ambulâncias. Estou a recordar-me da Dinamarca, Suíça ou Inglaterra. Os últimos projetos em que eu intervim, precisamente no âmbito das PPP, houve a preocupação de prever a ampliação de determinados serviços mas isto tem também um outro aspeto: acaba por se deixar grandes áreas desocupadas, sem compartimentação, o que tem custos.

No Hospital de São João foi feita uma grande ampliação com o hospital em funcionamento. Isso traz mais dificuldades do que deixar um espaço futuro….

É evidente que intervir numa estrutura hospitalar em funcionamento traz dificuldades e constrangimentos a nível de projeto, e depois há também constrangimentos grandes a nível de obra porque tem de se isolar determinadas zonas e não se pode fazer ruído a toda a hora. Se está lá um obstáculo estrutural ou uma courette, prumada vertical de instalações, tem de se sujeitar o projeto a uma maior contenção do que se estiver a ser feito de raiz.

Mas é nesse sentido que caminha a arquitetura hospitalar, visto que o edificado de raiz está feito…

A rede hospitalar já cobre o país, algumas zonas até estarão demasiado bem cobertas, como acontece na zona do médio Tejo, onde os hospitais não só chegam para as necessidades como as superam. No entanto, há situações em que os edifícios ainda são necessários. Há a necessidade de fazer um novo grande hospital em Lisboa, como o Hospital Oriental,  acabando depois com alguns hospitais centenários no centro de Lisboa,. Havia também a ideia de fazer um hospital de grande dimensão no centro do Algarve porque o Hospital de Faro, tendo entrado em funcionamento por volta de 1975,  já não dá  resposta às necessidades.

O Ministério da Saúde tem vindo a despojar-se de organismos que analisem estas alterações na forma de conceber e construir os hospitais. Acha razoável que o ministério se tenha excluído da capacidade de avaliar o que é feito?

Há todo um conjunto de situações que se alteraram. O Ministério da Saúde, através das suas direções, era o órgão centralizador da produção e construção de novos hospitais. Quando começaram a criar-se as estruturas hospitais-empresa, estas passaram a ter uma determinada autonomia em relação à tutela.

Mas não havendo um organismo que dê orientações, cada um faz como achar melhor.

Há exemplos de situações opostas. Fiquei surpreendido pela positiva em dois casos passados com projetos que fiz - o caso do Hospital de Viseu e do Hospital de Cova da Beira. Quando as administrações desses hospitais quiseram fazer alterações no seu interior, fui contactado para estudar soluções. As administrações acharam que deviam procurar o autor do projeto para as fazer. Mas também me lembro de outros casos em que não fizeram consulta absolutamente nenhuma. A partir do momento em que os edifícios entram em funcionamento e os projetos passaram a ser propriedade do Ministério da Saúde, nós, projetistas, perdemos o contacto com o edifício, com o nosso trabalho. Deveria haver o dever da consideração. Quem está na administração de um hospital passados 10 anos não sabe quem foi o engenheiro ou o arquiteto que esteve ligado ao projeto e à construção do hospital mas pode perguntar ao Ministério da Saúde, dizendo que pretende intervir e pedir orientação.

Para isso era necessário uma Direção-Geral com o know-how que não mude consoante mudam os governos e os assessores...

Eu verifiquei, já na época das PPP que, sob o argumento de falta de meios humanos técnicos para acompanhar o desenvolvimento dos projetos, o ministério ia adquirir externamente quem fizesse esse trabalho e os técnicos do ministério apenas acompanhavam o trabalho desses consultores. O ministério lança um concurso para um hospital em PPP mas que podia ser ou de conceção-construção e vai buscar uma empresa consultora para acompanhar o desenvolvimento do concurso, do projeto  e emitir pareceres para o ministério decidir. O que eu constatei  é que as empresas que ganhavam esses concursos não tinham know-how de hospitais. São empresas muito habituadas à fiscalização de obras de estradas e de caminhos-de-ferro, mas não conhecem a realidade dos hospitais, e portanto deixam-me sérias reservas…

Essas empresas que faziam essa consultadoria eram escolhidas por concurso?

Sim. O Ministério da Saúde fazia um concurso para consultor de determinadas áreas, até jurídicas.

Tendo em conta as três fases pelas quais passou, qual considera ser o processo mais adequado e razoável?

Os projetos de conceção-construção e as PPP são, na verdade os dois, modelos de conceção-construção. A PPP é uma figura que aparece para o financiamento e a exploração do hospital a partir do momento em que ele pode abrir ao público. Eu diria que os concursos de conceção-construção foram aqueles em que o ministério, o governo ou o Estado conseguiu obter um edifício hospitalar no mais curto espaço de tempo, ou seja, desde que lança a ideia ou o concurso até à sua conclusão. Aqui há bastantes anos fiz um estudo nessa área para avaliar tempos e prazos e é a modalidade em que se consegue pôr um hospital a funcionar no menor espaço de tempo, que mesmo assim é de três a cinco anos. Voltando à questão inicial, e relativamente à qualidade , dos novos hospitais eu não conheço , sou levado a concluir que são idênticos a todos os outros, ou seja, não se distinguirão pela qualidade do edifício.

Ao longo da sua experiência de 35 anos no projeto e construção hospitalar ocorreram várias transformações. Falou há pouco na segurança contra incêndios e cogeração. Poderíamos também falar na eliminação das centrais de incineração e na criação de um sistema interno de triagem e recolha de lixo, mas no domínio específico da arquitetura e construção hospitalar, que transformações mais significativas ocorreram decorrentes desta evolução de conceitos?

A nível dos internamentos, houve uma evolução da enfermaria de três, quatro e seis camas para as duas camas. Também o número de doentes acamados por unidade de internamento baixou de 33 camas, que era o caso do Hospital de Coimbra, para as cerca de 26 a 28 camas, como acontece agora em Cascais. Houve a introdução de serviços que inicialmente não existiam, como a radioterapia. O projeto do novo  Hospital Central do Algarve tem um serviço de radioterapia que não está ligado à imagiologia. Além disso, tem um serviço de oncologia, além de um hospital de dia médico!

Eu fiz o projeto de remodelação do Hospital Curry Cabral, no ano 2000, quando as listas de espera para cirurgia eram enormes. Houve necessidade de criar um serviço de cirurgia de ambulatório, pelo que esse projeto tem um bloco operatório central, feito de raiz, com nove salas de operações, sendo duas para transplantes. Está em pleno funcionamento. Criou-se um outro serviço de cirurgia de ambulatório com quatro salas, mas desconheço se está em funcionamento. Hoje em dia, as pessoas cada vez passam menos tempo internadas e talvez o número de unidades de internamento devesse diminuir, mas daquilo que eu conheço dos projetos que se fizeram para o novo Hospital Oriental de Lisboa e para o Hospital Central do Algarve, a capacidade de internamento é grande.

A maior parte dos nossos hospitais corresponde à construção vertical. Há algum caso em que se tenha optado pela construção horizontal? Quais as razões que o determinaram?

Direi que há dois hospitais com uma solução mais horizontal: o Amadora-Sintra e o de Cova da Beira. Quando se inicia um processo de projeto de um hospital há um conjunto de variáveis e de condicionantes, e neste caso as condicionantes eram de caráter urbanístico. Em Amadora-Sintra o edifício não podia ter mais de seis pisos porque estava numa área de proteção do Palácio de Queluz. Ao não ter mais de seis pisos, naturalmente foi-se para uma solução horizontal. Há dois pisos muito grandes e com grandes circulações horizontais, onde está todo o centro do hospital. Os internamentos assentam nessa grande base e têm só quatro pisos. No caso do Hospital de Cova da Beira, havia também uma norma urbanística local segundo a qual o último piso do hospital não poderia ultrapassar uma cota de 450 metros. Fazendo a diferença para a cota do terreno também se chegou à conclusão que o edifício só poderia ter cinco a seis pisos, pelo que a base do hospital foi de horizontalidade. A verticalidade é mais conseguida quando os hospitais têm grande capacidade de internamento. É o caso do Hospital de Coimbra e do Hospital de Viseu, em que há um elevado número de internamentos.

Só se vai para a construção horizontal quando há condicionantes externas. Mas do ponto de vista humano a construção vertical comporta alguns aspetos negativos, concorda?

Concordo na generalidade,  há também outras exigências, nomeadamente a nível de segurança. A segurança contra incêndios foi toda revista e, como tal, é muito mais exigente a nível da largura das escadas. À medida que se vai subindo em número de pisos, as escadas têm de acompanhar a capacidade de evacuação, portanto há condicionantes. São precisos mais meios mecânicos de subida e descida.

No cômputo geral, o edifício de predominância  vertical acaba por sair mais económico?

É uma economia inicial, mas depois há que entrar com a exploração do hospital. No entanto, mesmo a economia inicial não ultrapassa cinco a dez por cento.

Há pouco tempo escreveu uma carta ao Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra  (CHUC) relacionada com o painel de azulejos do mestre Querubim Lapa colocado no átrio de entrada do Hospital da Universidade de Coimbra. Pode explicar-nos os motivos que o nortearam?

Eu soube, através de um colega, que um arquiteto tinha escrito um artigo num jornal de Coimbra dizendo que o painel cerâmico que o Querubim Lapa fez, a meu convite, para os HUC, estaria tapado. Fiquei atónito com essa situação e resolvi, aquando de uma vinda a Coimbra, tirar um tempo para ir ao hospital ver o que se estava a passar. Verifiquei que quem entra no hospital não se apercebe que existe um painel cerâmico porque ele foi totalmente envolvido por um painel de madeira. Trata-se de uma obra de arte com 14 metros de comprimento por 3 de altura. Eu fiquei incomodado com isto, até porque tinha sido encarregue de designar um artista plástico para conceber uma obra para aquele espaço. Convidei-o, a proposta dele foi aceite e o painel foi executado. Esteve ali umas dezenas de anos e agora, no séc. XXI, aparece ocultado por um painel de madeira pintado com uma designação alusiva aos 100 anos da Ortopedia em Portugal!

Resolvi escrever uma carta ao Presidente do Conselho de Administração do CHUC e a resposta não demorou – escrevi a carta a 26 de janeiro e recebi a resposta a 2 de fevereiro. O Presidente do Conselho de Administração solicitou parecer ao Gabinete de Comunicação e Relações Públicas do CHUC, que justificou a situação com “opções logísticas relacionadas com exposições realizadas e/ou a realizar no átrio dos Hospitais da Universidade de Coimbra”. Acrescenta ainda que “o painel está devidamente preservado e que ‘ficar tapado’ não é um destino definitivo mas uma questão meramente temporária.” No entanto, a ocultação do painel já tem vários anos! Face a isto, ainda irei enviar nova carta ao Presidente do Conselho de Administração a insistir que aquele átrio tem espaço para fazer exposições. Aliás, fiquei até impressionado quando lá estive porque, numa das zonas que deveria, na minha opinião, ser aproveitada para fazer exposições, havia uma série de equipamentos, uma mesa de bloco operatório, armários e instrumentos dispostos sem o devido cuidado expositivo.

O hall de entrada dos auditórios é o átrio nobre, portanto era aqui que deviam ser colocadas estas exposições.

Recentemente, quando o presidente do Irão se deslocou a Roma, foram tapadas estátuas de figuras nuas no Vaticano, até parece haver aqui uma relação com essa situação…

Além da insensibilidade, esta situação demonstra desconhecimento. Nas obras públicas, a existência de uma percentagem do valor global da obra, é para aplicação em obras de arte,  é obrigatório por lei. Curiosamente, em 2010 o Hospital da Cova da Beira fez uma sessão comemorativa dos 10 anos da sua entrada em funcionamento, e convidou-me a mim e ao artista plástico por mim escolhido para fazer os painéis de azulejos que estão no átrio de entrada para lá irmos. Foi colocada, junto aos painéis, uma placa a dizer quem era o autor daquelas obras. No Hospital de Cova da Beira, as pessoas valorizam muito a entrada nobre do hospital e o que lá está contido. Por contraponto, na cidade da cultura, dos estudantes e da universidade mais antiga do país, tapa-se uma obra de arte, incontestavelmente valiosa!

António Rocha Lobo licenciou-se em Arquitetura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Formou-se em 1976 e até 1981 trabalhou na Câmara Municipal Vila Franca de Xira. A partir de 1981 e até se reformar, em 2012, desenvolveu o seu percurso na empresa Teixeira Duarte. O seu primeiro trabalho ao serviço daquela empresa foi o acompanhamento do projeto da construção do Hospital de Coimbra, já iniciada. Embora tenha tido outros trabalhos, grande parte do seu percurso centrou-se no projeto e construção de hospitais.

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